O pôquer de Obama e Putin por Assad

Atualizado em 1 de outubro de 2015 às 8:59
Eles
Eles

Publicado na DW:

 

O presidente Bashar al-Assad deve ficar ou sair do poder? Também na reunião na noite desta segunda-feira (28/09) à margem da Assembleia Geral da ONU, a primeira que tiveram em quase dois anos, os presidentes Barack Obama e Vladimir Putin não chegaram a um acordo sobre o futuro papel do ditador da Síria.

Mesmo assim, parecem concordar que só a diplomacia – e não a força militar – pode resolver o conflito sangrento na Síria, que já dura quatro anos. Depois do encontro, ambos os lados comentaram que a reunião foi eficiente e produtiva, o que não deixa de ser surpreendente. Afinal ambos haviam, poucas horas antes, se envolvido numa troca de acusações perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York.

Como jogadores de pôquer tarimbados, os dois líderes enviaram sinais de força e determinação e reiteraram suas posições durante o encontro que tiveram. Segundo o The New York Times, ambos disseram suas opiniões de forma muito clara, mas a porta para uma solução diplomática para o conflito sírio não foi totalmente fechada, pois eles não mostraram todas as suas cartas.

“Obama certamente reforçou sua opinião de que o ditador sírio deve deixar o cargo”, afirma o especialista Paul Schwartz, do Center for Strategic Studies (Centro de Estudos Estratégicos).

Após as amplas violações de direitos humanos por Assad, é impossível retornar ao status quo anterior à guerra, argumentou Obama. Mas o presidente americano estaria pelo menos disposto a tolerar a permanência de Assad por um período de transição. Isso pode ser entendido numa frase de Obama que é citada em vários sites: “Realismo dita que um compromisso será necessário, mas realismo também determina uma transição guiada, para além de Assad, rumo a um novo líder.”

Para o especialista Malvin Kalb, do Brookings Institution, os americanos agora concordam que Assad seja parte de um processo de negociação para acabar com o conflito. “Mas, num determinado momento, ele terá que sair”, avalia.

Ataque frontal de Putin

Como esperado, o presidente russo, em seu discurso, defendeu Assad e disse que é “um enorme erro” não cooperar com o governante sírio e suas forças militares na luta contra a milícia terrorista “Estado Islâmico” (EI). Segundo ele, intervenções ocidentais “contrárias ao direito internacional” na Líbia e no Iraque são responsáveis pelo caos nesses países. E isso não deve se repetir na Síria, afirmou, exigindo, por isso, um “amplo apoio ao governo sírio”.

Depois de ter dito isso, Putin não mencionou mais o nome de Assad. “Olhando de fora, pode haver espaço para um compromisso”, afirma Schwartz. Mas a crítica generalizada de Putin à política americana para o Oriente Médio torna difícil para Obama encontrar uma fórmula aceitável para os russos, acrescenta. Para ele, Putin ao menos fez um “gesto construtivo” ao chamar uma coalizão internacional contra o EI na qual os EUA também podem desempenhar um papel.

Unidos contra o EI?

Em seus discursos, ambos os presidentes praticamente demonizaram o EI. Enquanto Obama falou de uma ameaça “apocalíptica”, Putin mencionou os milhares de jihadistas russos que representarão um enorme risco de segurança caso retornem à Rússia. “Provavelmente os dois se unirão na luta contra o EI”, opina Schwartz, referindo-se aos convites para diálogo feitos pelos EUA à Rússia e ao Irã.

Mas, para a maior parte dos especialistas, Obama não tem muita escolha. “Do ponto de vista diplomático, Putin jogou de forma muito inteligente e eficaz”, avalia Kalb. “É muito difícil para um líder ocidental, também para Obama, não se unir de alguma maneira com Putin.” Ninguém interessado em resolver os conflitos no Oriente Médio pode ignorar o presidente russo, afirma Kalb, que menciona ainda a “surpreendente exibição de equipamento bélico russo” na Síria.

Sem alívio de sanções

Em seu discurso, Obama deixou em aberto se a disposição da Rússia em colaborar para o restabelecimento da paz na Síria significará o fim das sanções econômicas por conta da crise na Ucrânia. O especialista Matthew Rojanski, do Woodrow Wilson Center, em Washington, avalia que nem Putin nem qualquer outra pessoa têm a ilusão de que isso levará ao fim das sanções.

Schwartz também afirma que, por conta da Síria, não haverá nenhuma mudança nas sanções, porque “os EUA não podem simplesmente ficar observando quando a Rússia viola o direito internacional”.

Mas, para muitos observadores, não é por acaso que a iniciativa síria de Putin ocorra no auge da crise de refugiados na Europa. “Uma parte da estratégia de Putin é enfraquecer o apoio às sanções da União Europeia à Rússia ao dizer que ele tem uma solução para a crise dos refugiados”, afirma Schwartz. “Para a UE, a principal ameaça de segurança não é mais a intervenção russa na Ucrânia, mas a crise dos refugiados.”