Fátima Pacheco Jordão é socióloga e especialista em pesquisas de opinião. Atualmente, é conselheira do Instituto Patrícia Galvão e diretora da Instituição D’Fatto Pesquisas, além de conselheira do Instituto Vladimir Herzog. No passado, Fátima foi assessora de pesquisas da TV Cultura.
Na última semana, o jornalista americano Glenn Greenwald fez duas reportagens no site The Intercept chamando de “fraude” a pesquisa Datafolha que apontou que 50% dos brasileiros gostariam que Michel Temer encerrasse o mandato de Dilma Rousseff.
O jornal Folha de S.Paulo, na figura do editor-executivo Sérgio Dávila, respondeu afirmando que “o resultado da questão sobre a dupla renúncia de Dilma e Temer não nos pareceu especialmente noticioso”.
O percentual de pessoas a favor da saída da chapa Dilma/Temer no mesmo levantamento foi de 60%, número ignorado pela publicação.
O DCM conversou com a socióloga sobre as falhas do Datafolha, a controvérsia levantada por Greenwald e o papel dos institutos de pesquisa.
DCM: O que a senhora achou dos números ocultados do Datafolha pelo jornal e a posição sobre o caso?
Fátima: Olha, não vou comentar a declaração do Sérgio Dávila porque isso está dentro do direito do jornal dele. O cliente pode querer divulgar apenas parte do levantamento. O comprador da pesquisa tem todo o direito, dentro das normas técnicas de pesquisa, de fazer o que a Folha de S.Paulo fez. As instituições sérias nesse ramo estão vinculadas à Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, a ABEP, e seguem um código de ética e uma série de normas.
Portanto, Datafolha e Folha de S.Paulo são entidades diferentes. Uma faz a pesquisa e o levantamento por amostragem com padrões próprios, enquanto a outra lida com conteúdo jornalístico, e é uma instituição que divulga. Quando a Folha contrata o conteúdo, é dela a responsabilidade pela veiculação desses dados. Quem é dono das informações é quem encomenda essa pesquisa.
Os dados incluem o sigilo das informações privadas de quem cede as respostas, por isso não sabemos se são pessoas das classes A, B, C ou D.
Do ponto de vista do levantamento do Datafolha em si, não há erros nos dados. A falha que existe é que essas pesquisas amostrais mudaram de importância com a presença da internet. Cresce a discussão partidária no momento político que nos encontramos.
DCM: A senhora disse ao El Pais que a pesquisa Datafolha foi “estimulada”. Como isso funciona?
FJ: O instituto fez duas perguntas. Elas foram sugeridas pela redação da Folha e tratavam se Temer deveria continuar ou não o mandato. Este tipo de questionamento é fechado e estimulado, e em toda pergunta que é assim existe uma parcela pequena de pessoas que respondem de maneira diferente.
Ou seja, quando você pergunta a uma pessoa se ela prefere o Temer ou a Dilma, ela pode responder: “nenhum dos dois. Quero que os dois morram”. Algumas podem responder que querem, sim, eleições diretas.
Perguntas assim precisam estar explicitadas no relatório final, para diferenciar de uma resposta espontânea. O jornalista que tem esses dados também deveria avisar o seu leitor sobre o teor do material.
DCM: Esse é o problema?
FJ: Nós temos, digamos assim, um país muito mais avançado na realização de pesquisas do que na publicação delas. Esse problema gera uma tensão muito forte não só entre cliente e instituto de pesquisa, mas também com o jornalista que lida com os dados, que precisa ser preparado para lidar com essas informações. E nem todos estão aptos a isso.
Eu acho que a relação entre o Ibope e o Estado de S.Paulo mais correta do que a ligação entre o Datafolha e a Folha.
DCM: A senhora não vê um conflito de interesses no fato de o Datafolha ser subordinado ao jornal Folha de S.Paulo? Há outras instituições com este tipo de relacionamento?
FJ: Eu não vejo conflito de interesses. No entanto, os dados que fortaleceram Michel Temer foram solicitados pela Folha. O instituto fez apenas o seu trabalho na aquisição dos dados.
A responsabilidade dessas informações é do jornal.
Nate Cohn do New York Times fez um texto sobre as pesquisas contraditórias a respeito da corrida entre Hillary Clinton e Donald Trump. Cada publicação pode destacar o que for conveniente para os seus interesses. Huffington Post fez isso, entre outros. O problema é justamente o Datafolha fornecer informações apenas a um jornal.
DCM: E qual é a diferença do Ibope com o Estadão em comparação com este caso da Folha?
FJ: O Estadão tem mais jornalistas capacitados a lidarem com pesquisas, ao menos na minha percepção, na geração do (colunista) José Roberto de Toledo. Apesar de serem repórteres que divulgam os dados do Ibope, é a edição do Toledo que faz a diferença na amostragem dos dados.
A relação do Datafolha com a Folha, embora façam pesquisas há anos com metodologia própria com grandes amostragens e na rua, é fechada. O instituto é um fornecedor da Folha de S.Paulo.
Datafolha tem pouca autonomia em relação ao Ibope, que tem dezenas de clientes. Isso muda o tipo de abordagem do trabalho deles, submetido aos interesses de quem compra a informação. No caso relatado, é o jornal.
Não há nada de ilegal nessa relação, mas ela pode ser melhor. As pesquisas recentes já mostraram que a Operação Lava Jato causou danos ao PT nos governos, mas outros candidatos em 2018 foram afetados, como Aécio Neves e Marina Silva. Portanto, os dados em si divulgados na Folha não são o mais relevante nesta discussão.
Há uma evolução nos institutos. Se você comparar o IBGE há 15 anos e hoje, a instituição presta um serviço muito melhor. O jornalismo de dados também está em expansão.
A crítica mais precisa está na relação entre esses levantamentos e os jornais que nós consultamos. É essa relação que precisa ser questionada. O pesquisador necessita ter uma relação mais técnica com o jornalismo.
DCM: Nas eleições surgiram institutos como o Paraná, com dados diferentes. Há uma tendência de aparecerem mais empresas assim?
FJ: Acho difícil essa atividade de pesquisa fora dos períodos eleitorais, porque simplesmente não há mercado pra isso, ou clientes tão interessados. Mas há um movimento interessante agora movido pelas universidades para cobrir questões públicas e protestos na internet.
Há um grupo de cientistas políticos dedicados a ouvir a opinião pública, como é o caso do [André] Singer. Ele, por exemplo, lida com os números e tem boa relação com os grandes institutos. ONGs também encomendam pesquisas e eu mesma coordenei algumas delas. Fiz trabalhos junto com a Instituto Patrícia Galvão, onde atuo como conselheira.
Por isso, existe uma evolução clara neste setor e uma ampliação da demanda, com apoio forte das instituições e um diálogo muito aberto e franco com os partidos políticos. A diferença entre resultados de pesquisas políticas não é erro. E isso é uma coisa que precisa ser discutida mais abertamente no Brasil.
Um percentual de 15% dos eleitores em média decide o voto 24 horas antes de ir para a urna eletrônica. No caso das eleições municipais de São Paulo neste ano, esse número será muito maior. Isso vai acontecer porque a campanha será mais curta e ela está rodeada de problemas políticos que inflamam o cenário.
Acredito que 25% das pessoas vão mudar o resultado final. E a maioria delas será composta de mulheres. Aliás, são elas que mudaram as últimas eleições. O PT, com Dilma, venceu muitas disputas de segundo turno com ajuda delas.
DCM: Tivemos em 2012 o caso do Russomanno que disparou nas pesquisas e depois perdeu pro Haddad. Vai se repetir?
FJ: Celso Russomanno perdeu porque anunciou um aumento no custo dos transportes que lhe custou votos. Isso pode acontecer novamente. A questão é que precisa existir um aperfeiçoamento no trabalho jornalístico para transmitir uma noção mais aprofundada do que é a política brasileira, e como ela não se reduz apenas aos partidos.
Estou muito otimista quanto a este debate que foi iniciado pelo Greenwald. Acho que é uma discussão que fortalece a relação entre pesquisadores, comunicação e opinião pública, ainda mais com a força da internet hoje.