Por Moisés Mendes
O lavajatismo subjugou a Justiça com um Ministério Público só seu, uma segunda instância amigável, um Supremo assustado e uma imprensa cúmplice, que era parte do esquema e fingia ser apenas da torcida.
Todos deram de comer aos bichos que geraram a extrema direita. Foi assim que encarceraram Lula e abriram caminho para Bolsonaro. E agora Sérgio Moro e Deltan Dallagnol estão eleitos.
Os dois terão o poder político e as imunidades que desprezavam naqueles que investigavam e condenavam em Curitiba.
Quando pareciam mortos, os lavajatistas evoluíram. O Supremo por eles manobrado está diante de figuras com outras armas.
É outra guerra, em outras circunstâncias, mas é o preço a ser pago. O cálculo errado do STF, ao reagir tarde demais, acabou fragilizando instâncias inferiores da Justiça e permitiu a impunidade e o protagonismo de gente com vínculos com o lavajatismo e o bolsonarismo. Estão todos misturados.
Mais de 20 senadores eleitos pela extrema direita ou muito próximos dela dão ao fascismo um poder que não existia antes da Lava-Jato. E o Supremo é alvo nessa nova realidade.
A ameaça do senador eleito Hamilton Mourão, de que o STF pode ter mais ministros, com o objetivo declarado de conter os que incomodam Bolsonaro, põe no colo da Corte a bomba que o Supremo ajudou a armar.
A ideia não busca proteger apenas o pai e os filhos. Vai proteger todos os agregados, incluindo empresários sonegadores até hoje impunes, e causar devastação.
Todas as figuras que deveriam ser investigadas pelos crimes da pandemia já desfrutam das gavetas do Ministério Público. Mesmo os que não têm foro privilegiado.
Se os inquéritos avançarem, uma hora cairão no Supremo, sabe-se lá quando. Já estão no STF as investigações das milícias digitais e dos oito tios do zap articulados para dar o golpe.
E tem o inquérito do incentivo ao estupro de Bolsonaro, nas repetidas fúrias contra a deputada Maria do Rosário.
A investigação sobre ingerências na Polícia Federal, a partir de denúncia de Moro, talvez não dê mais nada, porque ambos agora são amigos de novo.
Uma vitória de Bolsonaro põe areia nesses casos e em toda a engrenagem do sistema de Justiça, que já não funciona direito, e torna improvável uma punição dos operadores e financiadores das fakes news e do grupo de tios golpistas. Seria só o começo.
Bolsonaro passará a barganhar recuos do STF, como já anunciou que fará se for reeleito, e o recolhimento do alto Judiciário irá se refletir em todas as esferas e instituições.
O plano de Bolsonaro é singelo e não exige muito esforço. Amordaça o Supremo, antes mesmo de propor de fato aumento no número de ministros, e transfere o medo para todo a estrutura de Justiça.
O Ministério Público pode até continuar resistindo, mas o MP já perdeu quase todas as brigas para a família, principalmente no caso das rachadinhas.
O bravo MP perde, sistematicamente, duelos contra sonegadores contumazes, contra desmatadores, grileiros e as facções que pretendiam vender vacinas a negacionistas do governo.
Se o MP estivesse vencendo, muitos dos criminosos de quatro anos de bolsonarismo já teriam sido denunciados, julgados e presos.
O poder dos grupos articulados na extrema direita é maior do que a capacidade do sistema de Justiça de fazer valer suas prerrogativas e cumprir com suas obrigações.
O fascismo já está vencendo hoje, num cenário que seria agravado com a reeleição do sujeito que admite comer yanomami cozido, porque a carne de um indígena da Amazônia não seria carne humana.
O debate está nesse nível. O Supremo daqui a pouco estará discutindo se Damares pode ou não ser processada por dizer que arrancam dentes de crianças para que façam sexo oral.
O STF cometeu o engano de se dedicar ao latim das altas hermenêuticas, enquanto era cercado pela bandidagem que fala a gíria de milicianos.
Bolsonaro pode querer comê-los, se possível com o TSE de entrada, e com banana caramelada, num eventual desastre da reeleição. A imprensa publicará a receita, mesmo que depois também seja devorada.
Texto publicado originalmente no Blog Moisés Mendes