Publicado no Esquerda Diário
POR DIANA ASSUNÇÃO
Nessa terça-feira fomos surpreendidos com um vídeo de uma conversa entre Marcelo Freixo e Janaína Paschoal. Para os que esperam polarização, brigas e afins, nada disso. Freixo começa a conversa insistindo que em política é preciso buscar o que temos de comum e que aquela conversa seria uma tentativa neste sentido. Para dar exemplos desse caminho se orgulha de seu amplo diálogo com Alexandre Frota – o mesmo que reiteradamente ataca a deputada federal Sâmia Bomfim do PSOL – e com Kim Kataguiri, emblemática figura do golpe institucional. Neste caminho do “encontrar o que a gente tem de comum” Freixo termina dizendo que é possível uma relação de afeto entre opostos, sinalizando para Janaína. A utilização da palavra “afeto” se dirigindo a um membro do partido de Rodrigo Amorim que quebrou a placa de Marielle é no mínimo chocante.
O formato da conversa provoca ambos a “elogiarem” uns aos outros. Janaína Paschoal manteve-se muito mais intransigente em defesa de pontos fundamentais de seu direitismo, sem encontrar críticas e a mesma intransigência do outro lado. Freixo, ainda insistindo no caminho do que há de “comum”, que o problema são os “excessos”, os “extremismos” ou o “radicalismo”, a principal crítica de Freixo ao PSL é puramente técnica: falta de preparo. Mas isso não é tudo: ele anuncia ter esperança de que amadureçam. Neste momento é preciso relembrar: sim, ele está falando do PSL, o partido de Jair Bolsonaro. Por isso que o silêncio mais ensurdecedor da conversa é quando Janaína proclama que seu maior feito foi o processo de impeachment de Dilma Roussef, ou seja, o golpe institucional: Freixo pergunta “mas não podia ser pelas eleições?” em seguida envergonhadamente se cala e quando Janaína diz saber que ele não concorda, Freixo responde “eu não era governo e podemos pensar diferente”. Não foi o caso no tema da Lava Jato: neste ponto os opostos coincidiram.
Que uma das principais figuras do principal partido à esquerda do PT esteja buscando “diálogos” e “o comum” com emblemáticas figuras do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro revela bastante da crise estratégica na qual se encontra a esquerda tradicional no Brasil. Para além dos cálculos eleitorais que possa haver por trás dessas iniciativas, o fato é que expressa o contrário das lições que a esquerda precisa tirar frente ao bolsonarismo. O radicalismo do PSL não pode ser enfrentado com diálogo e uma política do “paz e amor”. Esse radicalismo sustenta uma política que mata indígenas, que assassina mulheres, que defende o massacre em Altamira, que defende a tortura e assassinato na ditadura e que, junto com os reis do diálogo (de Rodrigo Maia à Tábata Amaral) aprovaram todos juntos em primeiro turno da Câmara dos Deputados a reforma da previdência, que volta hoje ao Congresso.
O bolsonarismo mostrou que uma política de conciliação de classes, de governabilidade (o que é a busca do comum senão o embrião da ideia de governabilidade?) e a busca de alianças de todo o tipo somente pode abrir espaço pra direita. O PT mostrou que essa política não era uma tática, mas sim uma estratégia, um projeto de país. Que todos os atores do golpe institucional tenham surgido de indicações e alianças com o PT, que incentivou o agronegócio e a bancada evangélica, somente demonstra que a política do “mal menor” vai, de pouco em pouco, construindo o “mal maior”. Esta política complementada com a ausência de qualquer tipo de resistência real através dos sindicatos dirigidos pela CUT (PT) e CTB (PCdoB) entregando cada um de nossos direitos e não organizando lutas estrondosas contra o golpe institucional, a prisão arbitrária de Lula e todos os ataques como a reforma trabalhista, lei da terceirização irrestrita e corte do teto de gastos revelam uma política para tornar a classe trabalhadora e a juventude reféns da ideia de “mal menor”.
Quando estamos em meio a um governo tão escandalosamente reacionário como o de Jair Bolsonaro, é difícil o debate sobre as estratégias e as diferenças políticas, porque o reflexo de amplos setores que querem enfrentá-lo é o da unidade. Na última semana o filósofo Vladmir Safatle lançou mão de uma reflexão interessante, que vai em algum sentido na contramão da busca pelo “comum” de Marcelo Freixo. Safatle escreveu em sua coluna no jornal El País: “Por mais paradoxal que isto possa parecer, talvez precisemos agora de divisão para unir, e não de união. É claro que essa operação parece um contrassenso para os que acham que a política anda na mesma via dos sinais matemáticos. Mas, a despeito de seu estranhamento, ela faz todo sentido“.
A principal lição que o bolsonarismo traz agora para a juventude que é neste momento a maior protagonista da resistência contra o governo mas também para o conjunto da classe trabalhadora, as mulheres, os negros e LGBT é a de que somente a força organizada a partir de cada local de trabalho e estudo, construindo uma luta verdadeiramente massiva sem os entraves da direções que nos fream – ao contrário, impondo com nossa auto-organização que elas movimentem seus aparatos em prol da luta – pode levar adiante um enfrentamento real a monstruosidade do governo Bolsonaro. Os parlamentares que atuam por fora da batalha por construir essa força não poderão mudar o rumo da história – e nem mesmo os vazamentos. Nada substitui a luta de classes.
É também por isso que nunca esqueceremos quem aprovou a reforma da previdência, como Freixo sugere sobre as leis em geral “se for aprovada: esquece quem fez”. Não esquecemos, não perdoamos. Não há conciliação entre aqueles que com sangue nos olhos querem descarregar a crise sobre nossas costas. Os trabalhadores e a juventude que sofrem até hoje com a consequência do golpe institucional não podem sentar docilmente com Janaína Paschoal e tudo que ela representa contra nós, sentar-se desarmando-se de qualquer espírito combativo só pode ajudar Janaína Paschoal e seu reacionarismo. É preciso debater com que estratégia vamos enfrentar esse governo e com que programa colocar de pé uma esquerda verdadeiramente revolucionária.