A filha de João Gilberto, Bebel, conseguiu na Justiça a interdição do pai para gerir seu patrimônio.
Aos 86 anos, o inventor da bossa nova, gênio da música brasileira, foi roubado.
Incapaz de assinar contratos e cuidar das finanças, não totalmente lúcido, Bebel vai tentar reverter uma situação triste, absurda para um gigante como João — fruto da solidão de um artista sabidamente excêntrico, velho, presa fácil de todo tipo de gente inescrupulosa.
A história também ilustra, de certa forma, o descaso do Brasil com seus verdadeiros herois.
Segundo o colunista Anselmo Gois, do Globo, Bebel quer “pôr fim aos negócios temerários que João vinha sendo orientado a firmar, que resultaram na atual condição de quase miserabilidade do artista”.
O cerne do problema é o cancelamento de uma turnê em 2011, quando ele completou 80 anos. Chegou a receber os adiantamentos pelos shows, mas não devolveu o dinheiro.
Endividado, João teria assinado empréstimo de R$ 10 milhões com o banco Opportunity, em abril de 2013.
Aí é que vem a pegadinha: como garantia, o banco ficou com 60% dos direitos autorais dos quatro primeiros discos de João.
Em 2015, o valor de sua obra foi calculado em 200 milhões de reais.
Que sentido tem ele estar, de acordo com os autos, em condição de “quase miserabilidade”?
Diz a reportagem do Uol:
O estado de saúde e financeiro do artista preocupa seus filhos mais velhos há um bom tempo. O primogênito do músico, João Marcelo Gilberto, e Bebel sempre foram contra o acordo. Claudia Faissol, mãe de sua filha caçula, era a favor da negociação.
Em reportagem publicada no UOL em julho deste ano, João Marcelo responsabiliza Faissol pelas finanças debilitadas do pai. “Ela [Cláudia] manda a filha para uma escola de R$ 11 mil por mês e acredito que ela não trabalha. Meu pai está perdendo sua casa, mas sua filha está bem. Ele está quebrado. Ela o sangrou até secar.”
E acrescentou: “Ele está com 86 anos. Ainda tem períodos de lucidez, mas fica facilmente confuso, especialmente se fica estressado.”
Para Claudia, a dívida é consequência de administrações ruins de sua carreira e à falta de interesses de “governos” e do país. “Ele não tinha empresário, ninguém registrou suas interpretações. Estou tentando organizar. Fui a estatais e ministérios no governo passado e não consegui ajuda. Ele não queria lei de incentivos para tirar impostos do povo. Houve falta de vontade política”, disse Cláudia sobre as tentativas de buscar patrocínio para o músico.
O país que João Gilberto cantou, delicado, sutil, do amor, do sorriso e da flor, acabou e transformou-se num pesadelo. Esse lugar caótico, canalha, sem passado e sem futuro não merece, mesmo, João Gilberto.