O que aconteceu com os roqueiros dos anos 80? Leoni, o único que não virou reaça, fala ao DCM

Atualizado em 28 de junho de 2014 às 23:38
Leoni (esq.) com sua antiga banda
Leoni (esq.) com sua antiga banda nos anos 80

 

O carioca Carlos Leoni Rodrigues Siqueira Júnior, conhecido somente como Leoni, tem uma carreira dedicada ao pop rock. Fundou e foi baixista e compositor do Kid Abelha entre 1981 e 1986, período em que a banda tornou-se um fenômeno, colecionando discos de ouro. É autor de todos os principais hits (“Seu Espião”, “Como Eu Quero”, “Pintura Íntima”, “Fixação”, entre outras).

Saiu depois de um desentendimento. Fundou a banda Heróis da Resistência e, desde 1993, está em carreira solo. Tem parcerias com Cazuza (“Exagerado”), Herbert Vianna, Léo Jaime, Roberto Frejat, entre outros.

Aos 53 anos, Leoni é uma exceção, uma mosca branca, entre a imensa maioria de seus colegas de geração: uma “pessoa de esquerda”, como ele se define.

Roger, do Ultraje a Rigor, e Lobão são macartistas. Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, não fala coisa com coisa, especialmente em política. João Barone, baterista dos Paralamas do Sucesso, repete clichês sobre “corrupção” sem parar — sempre contra o PT, naturalmente. Tony Belloto, guitarrista do que restou dos Titãs, é autor de frases originais como “é uma merda pensar como o Brasil há 30 anos ou patina, ou piora”. A lista é longa.

“Na época da ditadura, tínhamos um inimigo comum. Quando acabou, percebemos o que cada um pensava”, diz Leoni. Ele conversou com o DCM sobre música, política, seus companheiros dos anos 80 e o que Renato Russo e Cazuza estariam pensando dessa salada.

Por que a sua geração está ficando reacionária? 

Não acredito que todos os músicos da minha geração tenham se tornado conservadores… Todo mundo tem direito a ter opinião. O Roger sempre foi liberal e capitalista porque ele é um defensor do livre-mercado. Ele acredita numa sociedade nos moldes da dos Estados Unidos. Por isso, não está sendo desonesto com as pessoas hoje em dia. Ele era contra a ditadura, mas sempre foi capitalista. Até “Inútil”, o hino do Ultraje a Rigor nos anos 80, era uma música que tem a cara dele, meio que menosprezando o povo brasileiro. Esse sempre foi o discurso dele. 

Por nossas diferenças, eu tive vários debates com ele por email. O único problema é que ele perde a cabeça com gente que não concorda com ele e se descontrola. Ele leva para o lado pessoal. Mas, se o debate permanece no alto nível com ele, é bom.

O Lobão é mais imprevisível. E te digo o motivo: o que ele gosta é da polêmica. Eu vejo ele fazendo mais polêmica do que música hoje, sinceramente. Tem também o problema das respostas das pessoas na internet, que é um local bom para debates felizmente. Nas redes sociais, se você não concorda com alguém em algo, você é idiota e deve morrer.

Na época da ditadura, tínhamos um inimigo comum. Quando acabou, percebemos o que cada um dos músicos pensava. O Roger e o Lobão eram diferentes da esquerda, por exemplo. Tem gente que se tornou mais liberal com o tempo. Algumas pessoas acreditam mais numa democracia capitalista, com serviços públicos aqui e ali, mas com a economia privatizada funcionando. É diferente do que eu penso, porque eu quero serviços do estado que ajudem os pobres.

O rock não é, supostamente, um estilo rebelde…?

O rock, sobretudo o americano e o inglês, sempre foi mais ligado aos movimentos libertários individuais do que os coletivos. A meta da música foi te levar a usar roupas, drogas e fazer sexo da forma que você quiser, no seu individualismo. O rock foi interessante pra caramba, revolucionou os costumes, mas ele continua desligado do meio social e dos problemas coletivos. Minha postura pessoal não é essa do rock.

Uma pergunta hipotética: como seria se o Cazuza ou o Renato Russo, que foram seus amigos, estivessem vivos hoje? Teriam virado reaças também?

O Cazuza, no final da vida, teve uma preocupação política com o Brasil e fez a música “Ideologia”. Mas ele foi mais revolucionário no comportamento, ao assumir sua homossexualidade. Não sei se estaria engajado politicamente.

O Renato Russo era mais antenado com política, mas ele era melhor escrevendo letras do que agindo. Suas letras eram metafóricas. O disco V do Legião, de 91, falava sobre os problemas do governo Collor, mas sem citar ninguém diretamente. Eram letras sobre quem perdeu dinheiro com os saques da poupança na época, além dos desempregados. Acredito que o Renato faria boas músicas sobre o que está acontecendo no Brasil ultimamente.

O que você pensa sobre os protestos?

É complicado. Agora eu tenho um desânimo por perceber que o movimento todo gerou uma oportunidade de apontar erros no país, mas não mostra soluções. Milhões de pessoas foram pra rua, mas se você perguntar para as pessoas o que devemos fazer pelo país, elas não sabem responder. Vejo a Primavera Árabe, que derrubou ditaduras e colocou outras no lugar. Não solucionou os problemas de lá, mas é bom saber que temos o poder de mobilização. É bom a gente saber que, se a gente se mexer, a coisa muda. Mas é educativo saber também que isso não basta. Temos que aprender a conversar.

O que é mais triste é que os políticos não se organizaram para executar uma reforma política. Era isso, no fundo, que as pessoas pediram na rua. O “pemedebismo” instalado no Congresso cria alianças de partidos por interesses e propaganda. O sistema está errado. Esse políticos não se organizaram nem para dar uma resposta frágil. A gente tem que ir fazer mais barulho.

 

Leoni
Leoni

 

Os protestos são da esquerda ou da direita? E as pessoas que se manifestam contra a Copa do Mundo agora?

Estar a favor das manifestações não é de esquerda ou de direita. Há até vertentes mais radicais se manifestando, como aquela extrema direita que quer acabar com o comunismo e o bolivarianismo para colocar quase uma ditadura militar no lugar. Outros dizem que a extrema esquerda quer acabar com o capitalismo confiscando propriedades com a tomada de poder. E eu já vi gente se manifestando na rua porque há corrupção no país. Eu não consigo categorizar essas pessoas politicamente e parece uma coisa de velho, com medo de ser roubado por todo mundo.

Agora, perto das eleições, vejo algumas simplificações. Se você acha a Fifa suspeita, muita gente acha que você odeia Copa do Mundo e o futebol. Se você gosta da Fifa, é um petralha que gosta do governo. As coisas andam mais confusas ultimamente.

Qual é o seu balanço sobre a política cultural do governo Dilma?

Na parte cultural dos governos do PT, o de Lula foi bem melhor que o de Dilma, com o Gilberto Gil e o Juca Ferreira no Ministério da Cultura. O Gil ampliou os investimentos no ministério. O ex-ministro abriu um diálogo como eu não tinha visto antes. Cultura não é só história, dos grandes autores, mas sim toda a criação que fazemos hoje. Veio o governo Dilma e a ministra Ana de Hollanda interrompeu os avanços do setor. Ela achava que a cultura cigital era uma “brincadeirinha” na internet, por exemplo.

A ministra Marta Suplicy assumiu agora e nós conseguimos a aprovação do projeto Cultura Viva, criando pontos de encontro em comunidades populares para produção criativa. Essa me parece uma mudança de postura. Mesmo assim, acho que o governo Lula foi mais ousado culturalmente até agora.

De resto, acredito que o problema real dos governantes são os conchavos e as alianças ruins para se beneficiarem, prejudicando a sociedade. Esse método foi criado pelo PMDB e pelos congressistas do chamado baixo clero, que querem receber agrados.

As maiores críticas ao PT não vem da direita, mas de ex-petistas decepcionados com o governo. Eu não sei se o PT conseguiria governar sem alianças, mas as reformas precisam acontecer. Fica o aprendizado: As coisas não funcionam do jeito que gostaríamos. Os únicos dois partidos que vejo falar em reforma política são o PT e o PSOL.

Como a Internet mudou a música brasileira?

Agora a gente nunca teve tanta diversidade e riqueza musical. Até aparecer a internet, as gravadoras, que eram poucas, detinham tanto o monopólio da produção quanto o da distribuição. Não tinha como entrar em estúdio e já lançar algo. Era caro pagar produção, capa, fabricação, vinis e a distribuição física para o país inteiro, com jabá para rádios e pra todo mundo que precisasse. Se você não tinha gravadora, você estava fora do negócio.

Isso era ruim, mas não tão ruim a partir dos anos 80. A partir da minha geração, os selos independentes americanos começaram a ser vendidos para conglomerados de mídia. A Warner se transformou na Time Warner. Ocorreram várias fusões e o único interesse da indústria musical se tornou o lucro. A qualidade caiu para vender mais, e as músicas comerciais ficaram mais padronizadas. Depois da moda do rock, veio axé, lambada, pagode, sertanejo e depois até voltou o pagode.

Na era da internet, a gente pode fazer a nossa própria música. A represa das gravadoras se rompeu. Tem gente fazendo de tudo no Brasil. Cada cidade tem uma cena musical interessante e própria. Antigamente a coisa era mais concentrada no eixo Rio – São Paulo. O Brasil é grande e as pessoas sequer conhecem o mínimo. O músico de hoje também não precisa agradar muita gente, mas chamar atenção é mais difícil. Não dá pra ouvir tanta gente talentosa junto, e muitos acabam passando desapercebidos. O negócio da música pode ir mal, mas a música em si vai muito bem.