Desde que o presidente Xi Jinping lançou o projeto “Iniciativa Cinturão e Rota” (BRI), em 2013, com o objetivo de financiar obras de infraestrutura ao longo de diversas rotas terrestres e marítimas, ligando a China a seus vizinhos do Sul e Sudeste Asiático, Eurásia, Europa, Oriente Médio e Oeste da África, reunindo inicialmente 65 países, os Estados Unidos não têm poupado críticas à iniciativa.
Enquanto a China caracteriza o projeto como um bem público global, ou seja, uma contribuição da China para o mundo, com o propósito de ajudar os países em desenvolvimento a superarem os enormes gargalos em infraestrutura, para os Estados Unidos, o projeto tem por objetivo aumentar a influência global da China, com o propósito de transformá-la em uma potência hegemônica da Ásia e na principal potência mundial.
A posterior extensão da iniciativa para a América Latina e a adesão de um número crescente de países, que ultrapassa a casa dos 120, deixou os americanos ainda mais preocupados. De acordo com um banco de dados da Refinitiv, em meados de 2020, mais de 2.600 projetos a um custo de US$ 3,7 trilhões estavam vinculados à iniciativa. Com a crise provocada pela pandemia da Covid-19, o volume de novos financiamentos foi reduzido, pois, segundo o Ministério das Relações Exteriores da China, cerca de 20% dos projetos foram seriamente afetados. A tendência é que, passada a pandemia, os projetos a serem financiados atendam mais aos critérios de mercado, para garantir sua sustentabilidade econômica.
De qualquer modo, a iniciativa chinesa permanece sendo a principal forma de financiamento de obras de infraestrutura para a maioria dos países em desenvolvimento, sobretudo os mais pobres, principalmente porque as alternativas existentes, nomeadamente o Banco Mundial, tornaram-se quase inacessíveis, devido às inúmeras condicionalidades e, sobretudo, às garantias financeiras exigidas. A China tem uma abordagem mais flexível para os financiamentos, aceitando, inclusive, pagamentos na forma de fornecimento de mercadorias cuja exportação será facilitada por essas obras de infraestrutura ou mesmo arrendamento das novas instalações para empresas chinesas por um determinado número de anos, como o porto de Hambantota, no Sri Lanka, arrendado pela China Merchants Group, por 99 anos. No caso de países muito pobres, os chineses têm frequentemente perdoado as dívidas.
Para fazer frente à iniciativa da China, os Estados Unidos ensaiaram, no governo Trump, diversos empreendimentos, todos frustrados. O mais recente deles foi a proposta levada pelo presidente Joe Biden à reunião do G7, realizada na Inglaterra, em junho, e que foi batizada de “Reconstruir um Mundo Melhor” (Build Back Better World ou 3BW, em inglês).
O presidente Joe Biden e outros líderes do G7 esperam que o plano forneça uma parceria de infraestrutura para ajudar a suprir os US$ 40 trilhões necessários para nações em desenvolvimento até 2035. “Não se trata apenas de confrontar ou enfrentar a China” disse um alto funcionário do governo Biden. “Mas, até agora, não oferecemos alternativas positivas que reflitam nossos valores, nossos padrões e nossa maneira de fazer negócios”. Ou seja, os Estados Unidos desejam que esses financiamentos ajudem a alavancar sua própria agenda política. Nesse sentido, não seria muito diferente do Banco Mundial.
Segundo informou a Casa Branca, o G7 e seus aliados usarão a iniciativa para mobilizar capital do setor privado em áreas como clima, saúde e segurança sanitária, tecnologia digital e equidade e igualdade de gênero. Não ficou claro, entretanto, como o plano funcionaria exatamente, ou quanto capital pretende distribuir e quem disponibilizará o dinheiro.
A China tem hoje não só os recursos, como a expertise para desenvolver projetos de infraestrutura em todo o mundo. Depois de décadas investindo pesadamente em seu próprio território, as empresas chinesas na área de construção, hoje as maiores do mundo, estão em busca de oportunidades para construir rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, metros e redes de transmissão de energia e telecomunicações pelo mundo afora, dada a maturação do mercado chinês.
A China construiu em pouco mais de uma década uma rede de mais de 37 mil quilômetros de trens de alta velocidade unindo todas as grandes cidades do país. Hoje é possível viajar praticamente de qualquer capital de uma província chinesa até Pequim em cerca de oito horas utilizando uma moderna rede de trens que cortam todo o território chinês a mais de 300 quilômetros por hora. Em volta de cada capital de província foram construídos anéis ferroviários que ligam as principais cidades em circuitos de uma ou duas horas, proporcionando enorme mobilidade urbana sem provocar o inchaço dos grandes centros urbanos.
A recente inauguração da hidrelétrica de Baihetan, com quase 300 metros de altura e feita com mais de oito milhões de metros cúbicos de concreto, no rio Jinshajiang – o “Rio de Areia Dourada” – como a parte superior do rio Yangtzé é conhecida, mostra a enorme capacidade da China na área de infraestrutura. Mesmo em um país onde a rapidez na construção de infraestrutura é a norma, a construção da maior represa em arco do mundo em apenas quatro anos foi um feito surpreendente. Quando a mais nova usina hidrelétrica estiver em pleno funcionamento produzirá 16 vezes a energia da represa Hoover nos Estados Unidos. Ela fornecerá energia a residências, prédios de escritórios e fábricas tão distantes quanto Jiangsu, uma província costeira a mais de 2.000 km a leste. De acordo com a equipe do projeto, o que diferencia o projeto Baihetan é o uso massivo de inteligência artificial (IA) no seu gerenciamento. Quase todos os envolvidos, desde trabalhadores do local a engenheiros, inspetores de qualidade e gerentes seniores são governados por um sistema de IA que fica mais inteligente a cada dia.
Em artigo publicado em junho no Journal of Tsinghua University, a equipe do projeto liderada pelo engenheiro sênior Tan Yaosheng disse que a IA melhorou significativamente a eficiência operacional e estabeleceu um recorde mundial na construção de barragens de arco. No passado, a tomada de decisões dependia inteiramente de gerentes de projeto, mas mesmo os mais experientes e dedicados seriam incapazes de lidar com todo o fluxo de informações 24 horas por dia, para coordenar, por exemplo, o fluxo de milhares de caminhões. Com o uso da inteligência artificial as milhares de atividades são coordenadas com precisão em tempo real. Até o trajeto e a velocidade dos caminhões são controlados para que tudo funcione como um relógio, sem atrasos, 24 horas por dia.
O mesmo não pode ser dito dos Estados Unidos. A infraestrutura americana, sobretudo as ferrovias, está sucateada, mas, ainda assim, o presidente Biden vem encontrando enorme resistência no Congresso por parte dos Republicanos para aprovar um plano de investimentos de US$ 2,1 bilhões para renová-la. Mesmo tendo reduzido a proposta inicial para menos da metade, os Democratas ainda não contam com o apoio necessário para sua aprovação. Frente a esse quadro seria de se perguntar se há alguma verossimilhança no plano de Biden para financiar obras de infraestrutura nos países em desenvolvimento. Se os Estados Unidos desejam mesmo contribuir com os países em desenvolvimento deveriam deixar a parte de infraestrutura com a China, para quem não são páreo nessa área, e contribuir em outros domínios como, por exemplo, o combate à Covid-19, no qual seu avançado sistema de pesquisa alcançou inegável sucesso, com o desenvolvimento das vacinas baseadas na nova tecnologia mRna.
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