Por Ricardo Miranda:
“O anarco capitalismo de Milei exige, para se viabilizar, o autoritarismo. Estado mínimo com repressão máxima”, diz o especialista em comportamento eleitoral e marketing político Antonio Lavareda ao DCM.
Se o pacote composto por mais de 600 iniciativas passar no Congresso, a Argentina não será muito diferente de uma Venzezuela, tão execrada internacionalmente por reprimir a livre expressão e se livrar da oposição.
Milei não blefou. Aquele que se autoproclama uma espécie de herói salvador, chegando mais de uma vez a se travestir no “general Ancap”, assumiu, de vez, suas vestes de colã, capa e tridente em preto e dourado.
“Milei, já não há mais dúvidas, encarna uma forma certa e perigosa de interpretar a Constituição ao seu jeito, contra todas as normas históricas”, opina, da Argentina, o professor da Universidade de San Martín, Pablo Semán, sociólogo e antropólogo.
“Ele está desmontando todo o processo de direitos históricos, passo a passo. Cada instituição democrática e republicana da Argentina vai sendo desmontada por ele. É um grande problema que já estava sendo anunciado em seu discurso eleitoral – e ele está cumprindo”.
Não por acaso, o projeto se dá ainda no início do mandato, enquanto Milei segue se beneficiando do resultado eleitoral vitorioso e que supostamente o legitimaria para avançar em propostas mais truculentas. “A chamada Lei Ómnibus, com fortes traços autoritários, tiraria as competências do Poder Legislativo, que foi eleito diretamente e é composto por representantes de vários partidos de todas as regiões da Argentina, mas onde Milei é fraco”, diz o professor André Araujo, pesquisador do Observatório de Regionalismo (ODR), espaço de investigação e extensão sobre iniciativas regionais de integração e cooperação.
“Chama a atenção também que a proposta venha acompanhada por mais restrições ao direito de manifestação, bem como de reformas na legislação eleitoral”, acentua. Ele lembra que, apesar de Milei ter ganho o segundo turno presidencial, seu partido não possui maioria no Congresso e já se imaginava que o governo teria dificuldades em aprovar projetos, por não ter uma coalizão consistente.
Na Câmara Baixa o partido A Liberdade Avança tem apenas 37 deputados de um total de 257 e no Senado, 7 de seus 72 integrantes. O pacote de Milei, dizem analistas, é um “cavalo de Tróia” sobre o Congresso, onde tem minoria, para governar sem consultá-los. O governo solicita ao Congresso poderes legislativos em dversos terrenos sob o argumento de segurança pública. “Tirar as competências legislativas, permitiria que uma única força política aprovasse todas as decisões, sem possibilidade de debate e contestação”, observa Araújo, doutor em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Bolonha.
Ao declarar emergência pública nas áreas econômica, financeira, fiscal, de segurança e defesa, para coibir protestos contra seu pacote econômico ultraliberal, a lei estabelece superpoderes para Milei até dezembro de 2025, podendo ser prorrogada por mais dois anos, abrangendo todo o mandato do presidente argentino.
A Lei Ómnibus modela o já rígido protocolo antipiquetes do governo e aumenta a punição a quem organizar protestos sociais — até seis anos de prisão, se as manifestações impedirem a livre circulação do público. Legitima também o direito de legítima defesa por parte da autoridade policial. Exemplo: qualquer reunião com mais de três pessoas em espaço público passa ser considerada uma manifestação e deve ser informada com 48 horas de antecedência ao Ministério da Segurança, a quem caberá a palavra final – tendo à frente justamente a candidata derrotada Patricia Bullrich, com sangue nos olhos.
A Central Sindical do país considera convocar greve geral. A principal central sindical da Argentina, a CGT, anunciou nesta quinta-feira, 28. Funcionários públicos da Argentina também ameaçam greve na quarta-feira. Resta saber se Milei seguirá em seu vôo de Condor de costeletas, se será barrado pela resistência das ruas, ou pelo instinto de sobrevivência do Congresso. Aposto mais nas ruas.