Publicado na bbc:
Há uma grande expectativa em torno da divulgação do balanço da Petrobras de 2014, prometido para esta quarta-feira. Para economistas e analistas do setor, se tudo correr bem, esse pode ser o primeiro passo para uma solução da crise em que a empresa está mergulhada desde que a Operação Lava Jato revelou um extenso esquema de corrupção envolvendo seus funcionários.
Muitos opinam que um balanço auditado é essencial para evitar um aprofundamento dos problemas financeiros da empresa, já que, sem ele, os credores podem pedir o pagamento antecipado de dívidas da estatal.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, prometeu nesta segunda-feira, em Nova York, que a publicação dos resultados “marcará mais uma etapa na reconstrução da companhia”.
A BBC entrevistou especialistas do setor para entender a importância dessa divulgação e os possíveis cenários que ela pode criar. Confira:
Por que os resultados de 2014 ainda não foram publicados?
A empresa de auditoria PricewaterhouseCoopers (PwC) se recusou a assinar o balanço da Petrobras do segundo semestre do ano passado, depois que a Operação Lava Jato revelou a escala do esquema de corrupção que envolvia o superfaturamento de projetos da empresa.
Um dos principais problemas é que a Petrobras ainda não conseguiu calcular como esse esquema afetou seu patrimônio.
A metodologia para fazer esse cálculo precisa atender às exigências de órgãos reguladores não só do Brasil (CVM), mas também dos Estados Unidos (SEC), onde papéis da empresa são negociados.
Em janeiro, após adiar a publicação do balanço duas vezes, a Petrobras divulgou um resultado não auditado para o terceiro trimestre e uma estimativa preliminar de que seus ativos estariam superestimados em R$ 88 bilhões.
A conta, porém, não distinguia quanto desses recursos teriam sido desviados e quanto diriam respeito a problemas na execução de projetos e mudanças no câmbio.
Para alguns analistas, o valor muito alto e a forma como a estimativa foi divulgada teriam tornado insustentável a posição da então presidente da empresa, Maria das Graças Foster, que foi substituída pelo ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine.
Por que a divulgação é importante?
Sem resultados auditados, fica difícil para a empresa captar recursos e atrair investidores.
Parte dos seus credores também pode pedir o vencimento antecipado de suas dívidas se a publicação do balanço for novamente adiada, o que, segundo analistas, poderia levar a empresa à insolvência e exigir uma operação de injeção de capital pelo governo.
Wilber Colmerauer, diretor da consultoria Emerging Markets Funding, com sede em Londres, explica que esses demonstrativos financeiros servem de base para que investidores analisem a saúde financeira e as perspectivas da empresa. Sem eles, investir na Petrobras seria dar um tiro no escuro.
“O balanço vai permitir que o mercado e a própria Petrobras estimem o desafio que a empresa tem pela frente”, diz Colmerauer.
“Fazer o cálculo do estrago o mais rápido possível é essencial para que a companhia deixe esse escândalo de corrupção de lado e se concentre nos seus projetos de exploração. A Lava Jato é assunto da polícia.”
Para Paulo Paiva, professor da Fundação Dom Cabral, o balanço de 2014 pode ser “um marco” para a Petrobras.
“Ele pode começar a virar a página dessa situação de falta de transparência e má gestão na empresa. Por isso, as ações da Petrobras estão subindo na expectativa de sua divulgação.”
O que deve ser incluído no balanço?
Além dos resultados contábeis referentes ao terceiro trimestre do ano passado e todo o ano de 2014, uma reavaliação dos ativos da empresa que considere os desvios do esquema revelado pela Lava Jato, problemas de planejamento e execução de projetos e a nova realidade do câmbio e dos preços do petróleo. Também será divulgado se os acionistas deverão – ou não – receber dividendos.
As previsões sobre o ajuste nos ativos da empresa variam muito. Há quem fale em uma redução de até R$ 30 bilhões, dos quais mais de R$ 5 bilhões seriam relativos ao superfaturamento de obras e desvios.
Há risco da divulgação ser novamente adiada?
Segundo Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), “o risco sempre existe”. “Afinal, isso já aconteceu no passado. Mas hoje não saberia dizer se esse risco é pequeno, médio ou grande”, diz ele.
“Vamos supor que na última hora a PwC se recuse a assinar o balanço… Não teremos certeza sobre o que vai acontecer até quarta-feira.”
Já Paiva acha que essa possibilidade é muito pequena em função de todo o trabalho que tem sido feito para se conseguir chegar a um consenso sobre as demonstrações financeiras da empresa e dos custos que isso representaria para os atores envolvidos nesse processo.
“A essa altura já teríamos algum indício de problemas”, diz ele.
Quais seriam as consequências de um novo adiamento?
Como já foi dito anteriormente, alguns credores poderiam pedir o vencimento de parte das dívidas da empresa – que ultrapassam os US$ 100 bilhões – o que poderia levar a estatal a uma situação de insolvência.
Muitos analistas acreditam que, neste cenário, o governo, como principal acionista da Petrobras, teria de fazer uma injeção de capital na empresa.
“Essa seria uma péssima notícia para acionistas minoritários, que teriam sua participação diminuída”, diz Colmerauer.
“E o problema, para a empresa e para o Brasil, é que confiança é algo que se leva tempo para conquistar, mas que se perde muito rapidamente. A Petrobras já foi a maior empresa brasileira e é hoje a mais endividada. Um agravamento da sua crise financeira poderia causar um estrago grande na imagem da empresa e do país frente a investidores e fundos de pensão, que estão preocupados também com o destino dos seus fornecedores.”
Pires concorda que, neste caso, a possibilidade de que o governo tenha de montar uma operação de salvamento da empresa seria considerável.
“E isso não só abalaria a confiança na empresa mas poderia até contribuir para que o Brasil perca seu grau de investimento. Esse é o cenário-tragédia”, acredita Pires.
Qual seria o cenário ideal para a Petrobras?
O ideal para a empresa é que a reavaliação de ativos não surpreenda os mercados e que o balanço seja endossado por todos os 9 membros do seu conselho de administração, segundo Pires.
“Se alguém achar que tem algo errado e não quiser assinar o balanço, isso não vai ser bem visto”, diz o diretor do CBIE.
Para Colmerauer, “ninguém espera que o balanço traga notícias muito boas”. “Mas, se houver a percepção de que a empresa está virando uma página, começando a equacionar seus problemas financeiros e de transparência, isso será positivo.”
Quais os próximos passos na solução da crise na Petrobras?
Os problemas da empresa não se resolvem com a publicação do balanço. “Esse é apenas o primeiro degrau de uma longa escada que a Petrobras precisa encarar para sair da crise”, diz Pires.
Entre os desafios que a estatal tem pela frente estão a adoção de medidas para reforçar sua governança e os processos judiciais abertos contra ela nos Estados Unidos. A Petrobras também terá de revisar seus planos de investimentos e já anunciou que colocará bilhões à venda em ativos para conseguir uma folga em sua situação financeira.
Paiva lembra que há grande expectativa sobre qual será a composição do novo conselho de administração da empresa. Uma assembleia geral de acionistas deverá escolher novos integrantes para o colegiado no dia 29.
“O ideal é que o novo conselho tenha total autonomia e independência. A presença de ministros, por exemplo, pode gerar potenciais conflitos de interesses e não seria bom para a gestão da empresa”, opina.