O que está por trás da articulação para Lula ter prisão domiciliar. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 5 de abril de 2019 às 21:55
O ex-presidente Lula em 7 de abril, durante ato em São Bernardo do Campo (SP) (Foto: Miguel Schincariol/AFP)

Depois da decisão do STF de adiar indefinidamente o julgamento da ação que resgata o princípio da presunção de inocência e, com isso, a liberdade a Lula, a pergunta que não quer calar é: o ex-presidente não deixará mais a prisão?

Se depender da vontade dos membros da Lava Jato e do governo Bolsonaro, não. A liberdade de Lula representaria a derrota do atual presidente e dos procuradores e juízes que acumularam poder com a operação deflagrada em Curitiba no ano eleitoral de 2014.

Poder que culminou na eleição de Bolsonaro e na inauguração de um modelo de poder que é tão verdadeiro quanto uma nota de 3 reais: a nova política.

Não existe nova nem velha política, já que não se trata de um conjunto de regras definidas em cartilha. Política é uma arte, um instrumento, um meio, em que maiorias se compõem para executar projeto que sempre é de poder.

Para uns, o poder pelo poder. Para outros, o poder como meio para a transformar a sociedade.

A Lava Jato, que faz politica o tempo inteiro, vendeu a farsa de que o maior problema do país era a corrupção e, uma vez enfrentado esse tumor, haveria vida próspera e desenvolvimento. Como troféu dessa mentira, ofereceram outra farsa: a prisão de Lula.

Ocorre que a prisão do ex-presidente e a ascensão da extrema direita — representada na eleição de Bolsonaro —, mostraram que não se venceu a corrupção nem se conquistou prosperidade.

Pelo contrário, o Brasil regrediu, e as evidências são o aumento do desemprego, a queda nas exportações e a percepção de que, no curto prazo, não haverá o crescimento prometido.

Nesse cenário, surge a perspectiva da liberdade de Lula.

Nenhum ministro de corte superior deu entrevista ou sinalizou com a liberdade do ex-presidente, mas alguns movimentos indicam que essa direção será tomada.

Não é a liberdade plena, como Lula, condenado sem prova e sem a descrição de conduta criminosa, merece. Mas o primeiro passo para a liberdade completa, que seria a prisão domiciliar. 

O desastre Bolsonaro, perceptível nas filas de desemprego, no preço da gasolina ou no número de pessoas dormindo na rua, fez despertar na sociedade a dúvida, muito bem captada em um vídeo que viralizou na internet: “Foi para isso que prenderam o Lula?”

É sintomático que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tenha postado no Twitter uma nota em que critica o PT, mas, ao mesmo tempo, deixa vazar o registro de que Lula pode esperar em casa o julgamento de seus recursos.

É o que Lula quer? Não. Não pediu nem pedirá. Mas é fato que incomoda o ex-presidente a hipótese de deixar a prisão ao mesmo tempo em que outros condenados em segunda instância.

Seria como sair pela porta dos fundos.

Lula quer o julgamento do mérito dos seus processos, para mostrar que a sentença de Sergio Moro não tem provas de crime.

E não tem mesmo: O triplex nunca foi de Lula, nem esteve disponível para seu usufruto. Se ficasse com o imóvel, só haveria uma forma de adquirir a propriedade: pagar a dívida da construtora OAS.

Que tipo de propina é esta?

No Judiciário, entretanto, não há ministro com coragem (ou independência) para conceder a liberdade plena a Lula, anulando o processo pela parcialidade de Moro ou considerando a falta de provas.

Seria justo, mas é difícil que haja decisão nesse sentido, pelo menos na câmara do STJ que julgará o ex-presidente.

Qual seria a solução intermediária? A prisão domiciliar.

Não seria, nem de longe, um caso de justiça, mas de política, o que evidencia o caráter de todos os processos contra Lula: político.

Portanto, não é de direito que se trata, mas de política, e o Judiciário sabe fazer política.

Nenhum ministro ou conselheiro da OAB diz em voz alta, mas é notório que a OAB pediu o adiamento do julgamento da segunda instância a pedido de alguém do STF — muito provavelmente, o próprio Dias Toffoli.

E o que ele pretende com isso? Deixar Lula preso?

A preocupação de Toffoli não é com Lula, mas com os comentaristas da Globonews e os analistas do Globo, eles sim com um discurso monocórdico de que a prisão de Lula é um ato de Justiça.

Ao mesmo tempo, Toffoli e os demais ministros do STF também veem crescer a percepção no Exterior de que Lula é um perseguido político. E quem o persegue?

A justiça… mas a serviço de quem? É só olhar para Bolsonaro e seu ministro Moro para perceber que existe uma aliança entre o presidente e o juiz que condenou o ex-presidente.

É uma situação tão escandalosa que o líder da esquerda francesa, Jean-Luc Mélenchon, invocou esse argumento para declarar hoje que participará da manifestação pró-liberdade de Lula convocada para domingo em Paris.

Ao mesmo tempo, ele pediu para que os franceses participem do Comitê Parisiense de Solidariedade a Lula.

Paris é uma das 36 cidades estrangeiras que estão se mobilizando em defesa do ex-presidente, com comitês e manifestações.

A exposição de Bolsonaro, com seu discurso tosco e anti-humano, escancara que as coisas não estão indo bem no Brasil.

É o outro lado da prisão de Lula. Quem vê Bolsonaro pensa, quase que automaticamente: “foi para isso que Lula foi preso?”.

Se Bolsonaro é o anti-Lula, não é difícil para uma pessoa civilizada decidir de que lado ficar.

O cárcere domiciliar atenuaria essa imagem negativa do Brasil e, nesse sentido, não seria surpreendente que o Superior Tribunal de Justiça reduzisse a pena imposta a Lula e lhe concedesse o benefício da prisão domiciliar.

Com isso, o Supremo poderia se reunir livre da pressão dos comentaristas da Globonews e da Globo para, enfim, resgatar o princípio constitucional da presunção de inocência.

Não o princípio por inteiro, o que é uma contradição, mas acolhendo a interpretação de Dias Toffoli e Gilmar Mendes de que a prisão se tornaria possível após o julgamento pelo STJ (a terceira instância).

O Judiciário deveria ser um poder neutro, acima das paixões e dos cálculos políticos, para não transformar em linchamento o que deveria ser um ato de justiça. Mas esta se tornou uma visão romântica.

Os juízes hoje decidem com um olho no processo e outro na mídia e nas redes sociais. E estas têm prevalecido.

Talvez seja por isso que o STJ não tenha definido a data do julgamento de Lula, para permitir que possa ocorrer a qualquer momento — há quem aposte na semana que vem.

Com isso, evita que as milícias digitais se organizem para pressionar os ministros a cumprirem a promessa de Bolsonaro: Lula tem que apodrecer na cadeia.

Para que isso não ocorra ou não tenha o efeito pretendido, as manifestações que serão realizadas principalmente neste domingo, 7 de abril, ganham maior importância.

Se juízes são suscetíveis a pressões, que seja pela do povo democrata nas ruas.

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Veja o vídeo “Foi para isso que prenderam o Lula?”: