O que está por trás da decisão de Trump de pôr a cabeça de Maduro a prêmio. Por Fania Rodrigues, de Caracas

Atualizado em 28 de março de 2020 às 8:53
Donald Trump e Nicolás Maduro

POR FANIA RODRIGUES, de Caracas

Ao melhor estilo do velho oeste norte-americano, o presidente Donald Trump colocou a prêmio a cabeça do chefe de Estado venezuelano.

R$75 milhões de reais (U$15 milhões) é o que vale a captura de Nicolás Maduro, de acordo com o procurador-general dos Estados Unidos, William Barr. Maduro foi acusado de comandar um cartel de drogas.

Em plena crise mundial do coronavírus, a cúpula do governo venezuelano foi declarada narcoterrorista. Além de Maduro, outros 10 ministros, dirigentes políticos do Partido Socialista Unidos da Venezuela, dois ex-militares e até o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Maikel Moreno.

O valor da recompensa para a captura ou eliminação desses membros do Estado venezuelano é de R$ 50 milhões (U$ 10 milhões) cada um.

O presidente venezuelano criticou a medida. “Como uns caubóis de séculos passados, querem colocar preço às cabeças de uns revolucionários”, disse Nicolás Maduro.

O procurador-general justificou a medida dizendo que a Venezuela procura “inundar os Estados Unidos com cocaína” e que os membros do Estado venezuelano enviaram entre 200 e 250 toneladas de drogas ao país.

Essa operação de “inundação” seria coordenada com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que reteriam retomado às armas. “Eu tenho uma mensagem para os principais funcionários do chavismo: a festa está acabando”, disse a promotora do sul da Flórida, Ariana Fajardo, que acompanhava Barr.

A acusação, no entanto, não se sustenta segundo os próprios números internos do governo Trump. A Administração de Combate às Drogas (DEA, por sua sigla em inglês) aponta o México e a Colômbia como os principais pontos de partida da droga que nos EUA.

De acordo com a mesma DEA, cerca de 90% dessa é transportada através do oceano Pacífico e o mar Caribe ocidental, que está longe do mar territorial da Venezuela.

Além disso, o cientista político Jorge Ladera explica que “não existe na Venezuela a percepção por parte da sociedade de que os membros do governo praticam o crime de tráfico de drogas, mais além das diferenças políticas que possam existir”.

Portanto, para entender o que significa realmente essa decisão dos Estados Unidos é preciso ler nas entrelinhas, afirma o professor de Relações Internacionais da Universidade Central da Venezuela, Luis Quintana.

“A acusação formal de tráfico de drogas é um tema secundário, pois o principal objetivo da administração Trump é derrocar o governo Maduro. Querem aproveitar a crise do coronavírus para aumentar a pressão através dessas sanções, porque sabem que a Venezuela tem um sistema de saúde debilitado”, disse Quintana.

Para o professor Universidade Central, trata-se de um chamado à prática de execuções extrajudiciais.

“A mensagem de fundo é que os EUA estão dispostos a patrocinar, com esse dinheiro, uma sublevação militar para derrubar o governo socialista. Colocar a cabeça do presidente a prêmio é uma maneira de incentivar ações armadas”, aponta.

Efeito dominó

Entre os sancionados está o ex-militar venezuelano, o major-general Cliver Alcalá, radicado na Colômbia e fugitivo da Justiça da Venezuela por participar em outras conspirações. Também foram oferecidos U$ 50 milhões por sua captura.

Minutos depois de receber essa informação, Alcalá deu uma entrevista à W Rádio, da Colômbia, onde revelou um plano para matar o presidente Nicolás Maduro e outros dirigentes dos PSUV.

Alcalá apontou Juan Guaidó como o líder dessa operação, disse ter se reunido com Guaidó, em janeiro, e inclusive assinado um contrato com o líder opositor para coordenar essa operação.

Guaidó com Mike Pence, vice-presidente dos EUA

“Tenho as assinaturas no contrato. O povo venezuelano vai ver as assinaturas. Guaidó não tem como negar”, diz o major-general.

Entre os integrantes desse acordo estariam ainda agentes de segurança dos EUA, o assessor político venezuelano Juan José Rendón e o deputado opositor Sérgio Vergara. J.J. Rendón, como é conhecido, foi assessor da campanha política do presidente colombiano Ivan Duque e atualmente é consultor e estrategista político de Juan Guaidó.

Sobre esse tema Maduro disse que a “Venezuela está preparada para qualquer cenário”. E que ações violentas como essa provocaria um caos no país.

“Nós temos planos para as diferentes situações. Se algum dia o império dos EUA e a oligarquia colombiana se atreverem tocar-nos um fio de cabelo preparem-se para fúria bolivariana, uma fúria que arrasaria todos eles. É a primeira vez que digo isso, talvez seja a última, mas é bom que saibam”, afirmou.

Maduro disse apostar em um diálogo com a oposição venezuelana e com o governo da Colômbia. “Vou continuar insistindo no diálogo apesar de que sei que querem me matar”.

Alguns líderes opositores, integrantes do G4, como é conhecido o grupo conformado pelos quatro maiores partidos de oposição, manifestaram intenção sentar para negociar com o governo de Nicolás Maduro. O objetivo seria buscar soluções econômicas para o país diante da crise provocada pelo covid-19.

O ex-candidato à Presidência (2012 – 2013), Henrique Capriles, do partido Primero Justicia, defendeu que o momento atual exige unidade entre venezuelanos. Assim como o presidente do partido Ação Democrática, Henri Ramos Allup, que disse está disposto ir a eleições parlamentares, ao contrário do vem dizendo o deputado Juan Guaidó até o momento.

Esse cenário de diálogo também contribuiu para desencadear as medidas do Departamento de Justiça dos EUA. Isso é o que argumenta o professor Luis Quintana.

“Cada vez que há uma tentativa de negociação entre esses dois setores, a iniciativa é bombardeada pelos EUA. Essa também é uma mensagem ao setor opositor, de que os EUA são os que controlam da pressão internacional e que não vão aceitar uma saída que contraria seus interesses”.

Assim também, o cientista político venezuelano Jorge Ladera, aponta que as últimas ações do governo venezuelano estão pressionando o governo Trump.

“A Venezuela solicitou a suspensão das sanções econômicas, diante da pandemia do coronavírus. O Estado venezuelano tem avançado, com respostas exitosas no campo diplomático. Isso não é positivo para Trump, que esse ano vai concorrer à reeleição”.

Jorge Ladera diz que chegar em uma eleição “com a cabeça de Maduro seria como um troféu para Trump. Por isso colocou preço ao seu inimigo, acusando-o de contribuir com um dos piores males dos EUA, que é o consumo de drogas”, destaca o cientista político.

Porém, o principal interesse do EUA na Venezuela, afirmam os analistas, continua sendo o fato desse país possuir a principal reserva de petróleo do mundo e a extração desse petróleo ser controlada pelo Estado venezuelano.

Antes das sanções econômicas, a Venezuela era responsável por 15% de todo o petróleo importado pelos EUA e ainda hoje continua enviado petróleo para as refinaria da petroleira venezuelana em território norte-americano, através de empresas intermediárias russas, turcas, chinesas e indianas.