Marcel Proust, como Montaigne, pode ser lido ao acaso, em páginas fortuitas — e simplesmente maravilhosas
O que eu diria para Proust, se tivesse a chance?
Me peguei pensando nesta bobagem outro dia enquanto lia Sodoma e Gomorra, da série épica Em Busca do Tempo Perdido.
Para ir direto: diria a ele se poderia abrir mais parágrafos. Você se perde nos parágrafos proustianos se não estiver muito concentrado.
Um editor como eu, habituado a pedir textos amigáveis aos redatores, acaba ficando de alguma forma incomodado. Ninguém sugeriu uma coisa tão óbvia a Proust?
Para usar uma palavra que ele emprega fartamente em Sodoma e Gomorra, Proust era um invertido inconfundível. O narrador de Sodoma e Gomorra é heterossexual, teoricamente. Declara paixão doentia por Albertine, também ela invertida. Mas era impossível a Proust escrever como macho. O narrador é efeminado, a exemplo do autor. Apego desmedido à avó protetora etc etc. As descrições físicas e psicológicas de homens são muito mais bem feitas que as de mulheres. A melhor personagem do livro é um aristocrata sodomita, o Barão Charlus.
Você não consegue imaginar o narrador de Sodoma e Gomorra atraindo mulheres. Proust fez muitas coisas, mas não conseguiu o milagre literário de dar uma alma genuinamente viril a seu personagem central. Em outro volume de Em Busca do Tempo Perdido, há uma definição de Albertina que destaca não seus seios ou qualquer outro atributo feminino, mas sua rapidez.
Albertina é uma fugitiva, e nenhuma descrição de seu valor seria completa se não precedidade de uma menção ao que a física chama de velocidade. Uma Albertina estática logo seria conquistada, logo seria comparada a todas as outras conquistas que sua posse exclui.
São curiosas as descrições sexuais feitas por ele. Duas mulheres lésbicas dançam, e alguém observa que elas extraem prazer do contacto entre os seios. Francamente, não sei se isso é verdade.
Faz sentido ler Proust ainda?
Faz. Há um desafio intelectual excitante em escalar as sete torres de Em Busca do Tempo Perdido. Em nadar nos parágrafos caudalosos sem se afogar. Você sabe que é uma coisa para poucos. No extremo oposto, Dan Brown é para a turba.
Você a rigor nem tem que escalas as sete torres. Basta passear pelas franjas delas. Abrir ao acaso algum volume e ler o tempo que for prazeroso.
Proust poderia, sim, ter usado mais parágrafos, mas talvez isso mitigasse o desafio intimidador que é lê-lo.