Quando estive em Bauru, interior de São Paulo, para levantar o perfil da empresa que entregava dinheiro desviado de Furnas ao senador Aécio Neves, segundo denúncia do doleiro delator Alberto Youssef, encontrei um vizinho do fundador da aviação Bauruense que explicava sem dificuldade a razão do enriquecimento de Airton Daré, o dono da empresa.
“Aí tem muito dinheiro de Furnas e da Cesp”, disse. Se até o vizinho sabia das ligações da empresa com as duas estatais, por que ninguém nunca investigou Aécio Neves, o político que dava as cartas na empresa, apadrinhando o diretor Dimas Toledo, mesmo nos primeiros anos do governo Lula? Evidências não faltam:
- Em 2005, o lobista Nílton Monteiro entregou a lista com nome de 156 políticos que receberam dinheiro desviado de Furnas, através de 91 empresas. A lista tinha sido elaborada e assinada pelo então diretor de Planejamento, Engenharia e Construção de Furnas, Dimas Toledo, como instrumento para pressionar políticos a negociaram com o presidente Lula a permanência dele na diretoria da estatal. A data da lista é novembro de 2002, logo após a primeira eleição de Lula a presidente. Todos os políticos que aparecem na lista eram todos da base aliada de Fernando Henrique Cardoso. Dimas foi mantido na diretoria de Planejamento, Engenharia e Construção nos primeiros anos do governo Lula.
- Ao prestar depoimento na CPI do Mensalão, em 2005, o então deputado Roberto Jefferson disse que tentou indicar um nome do PTB para o lugar de Dimas Toledo, mas não conseguiu. Segundo ele, o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, disse: “Tem pressão do Aécio, tem pressão do Aécio.”
- A lista foi contestada pela maioria dos políticos que aparecem na relação, que diziam se tratar de falsificação. Dimas Toledo também contestou a lista e disse que a assinatura não era dele. Como se tratava de cópia, era impossível de ser periciada. Mas, dois meses depois, o lobista Nílton Monteiro entregou a lista original, e a perícia da Polícia Federal concluiu que era autêntica, não havia nenhum indício de montagem ou falsificação. Para os peritos, não restava dúvida de que Dimas assinou a lista.
- A Polícia Federal encaminhou à Procuradoria Geral da República solicitação para investigar os políticos com foro privilegiado, que nunca foi dada. Mas quem não tinha foro privilegiado foi investigado, e em janeiro de 2012 a procuradora da república Andréia Bayão denunciou 11 pessoas por corrupção passiva , corrupção passiva e lavagem de dinheiro, entre eles Dimas Toledo e o empresário dono da Bauruense, Airton Daré;
- O ex-deputado Roberto Jefferson confirmou em depoimento à Polícia Federal que recebeu R$ 75 mil (R$ 188 mil em valores corrigidos pelo IGP-M até janeiro) do caixa 2 de Furnas, exatamente como aparece na lista assinada por Dimas Toledo.
- O ex-presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Antônio Júlio, também confirmou que recebeu R$ 150 mil (376 mil em valores atualizados) do caixa 2 de Furnas, exatamente como aparece na lista de Dimas.
- Em delação premiada recente, o doleiro Alberto Youssef contou ao juiz Sérgio Moro que ouviu do dono da Bauruense a informação de que parte da propina arrecadada em Furnas não poderia ser entregue a seu cliente, o deputado José Janene, porque já tinha sido entregue a uma irmã de Aécio Neves. Segundo Youssef, Janene lhe confirmou que Aécio tinha participação no caixa 2 de Furnas.
- Na Lista de Furnas, Aécio aparece como destinatário de R$ 5,5 milhões (13,8 milhões em valores corrigidos pelo IPC-M).
- O nome de Aécio é mencionado na lista como autor da “autorização” para o repasse de R$ 350 mil (R$ 880 mil, em valores atualizados) para o candidato a senador Zezé Perrella, o do Helicoca.
- A Lista de Furnas também registra “valor avulso repassado para Andréa Neves, irmã de Aécio Neves, para os comitês e prefeitos do interior do Estado” – R$ 695 mil (R$ 1,74 milhão em valores corrigidos pelo IGP-M até janeiro de 2016).
- A família de Aécio Neves tem vinculações com Furnas desde sua fundação, no fim da década de 50. Até estourar o escândalo da Lista, o pai de Aécio, ex-deputado federal e membro da Comissão de Energia da Câmara dos Deputados, era membro do Conselho de Administração da de Furnas.
- No governo Lula, dois nomes da antiga administração (período de Fernando Henrique Cardoso) foram mantidos na estatal – Dimas Toledo e Aécio Cunha, pai do senador, ambos ligados politicamente a Aécio.
- Até se candidatar a presidente, Aécio tinha excelentes relações com Lula e outros líderes nacionais do PT. Em 2006, em Minas Geais, houve até comitês informais de apoio a Aécio governador e Lula presidente, na defesa do voto Lulécio. Em 2010, o voto era Dilmasia – Dilma presidente, Anastasia governador. Em Minas Gerais, políticos dizem que essa aliança interessava aos dois lados, pois isolava um adversário comum: José Serra.
- Nesta semana, foi divulgado o depoimento em que o lobista Fernando Horneaux de Moura diz ao juiz Sérgio Mouro que Aécio Neves participava do rateio da propina em Furnas, juntamente com as direções do PT nacional e do PT do Estado de São Paulo.
O que falta acontecer para a Procuradoria Geral da República autorizar a Polícia Federal a investigar Aécio Neves?
Ontem, 4 de fevereiro, o lobista Nílton Monteiro me disse que tem munição para revelar todo o porão de Furnas no período em que Aécio reinava ali. Nílton foi operador de Dimas Toledo e é denunciado por corrupção ativa na peça da Andréia Bayão que, estranhamente, foi rejeitada pela Justiça Federal no Rio de Janeiro e hoje dorme nos escaninhos de uma delegacia na cidade. A Justiça Federal decidiu que o caso de Furnas era estadual, não federal, e por isso remeteu tudo para lá. Depois de fazer a denúncia, Andréia Bayão foi promovida a procuradora regional e transferida para Brasília.
Ninguém recorreu da decisão que estadualizou a investigação de Furnas.
Há duas semanas, depois de reiteradas cobranças, a Procuradoria Geral da República me informou que há um núcleo de procuradores, lotados no gabinete de Rodrigo Janot, que está a investigando a Lista de Furnas. Pedi para entrevistar um desses procuradores ou o próprio Janot, e ainda aguardo retorno.
Se quer mesmo investigar a Lista de Furnas, a Procuradoria Geral da República poderia começar interrogando Nílton Monteiro. Ele topa falar, mas não para a polícia do Rio de Janeiro ou para o aparato judicial em Minas Gerais.
Preso sem condenação no Estado, ele diz ter sido torturado por policiais mineiros no tempo em que Antônio Anastasia era governador. “Se a investigação de Furnas for federalizada, eu falo. Mas para a polícia que me torturou, não”, afirma.
Depois que divulgou a Lista de Furnas, Nílton foi apontado como um dos maiores estelionatários do Brasil, com atividades até de negociação de títulos falsos da dívida externa. Não houve nenhuma condenação definitiva contra ele, que já tem algumas absolvições.
Seus depoimentos, acompanhados de entrega de documentos, já produziram estragos no meio político.
Em 2000, Nílton Monteiro denunciou o envolvimento da Samarco no pagamento de propina a políticos do Espírito Santo, e os fatos foram comprovados, com a prisão do presidente da Assembleia Legislativa.
Depois, Nílton Monteiro denunciou o Mensalão de Minas Gerais, e suas revelações fundamentaram a recente condenação do ex-governador Eduardo Azeredo a 20 anos e dez meses de prisão.
Por que não ouvi-lo agora no caso da Lista de Furnas?