O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva vai precisar de tato para lidar com os militares agarrados em cargos de confiança no Executivo e nas estatais. Mais do que isso. Para o cientista político João Roberto Martins Filho, terá de contar com muita “virtú” – termo usado por Maquiavel, que tem significado de competência, astúcia, poder de efetuar mudanças e controlar eventos.
Doutor em sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor titular sênior do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Martins Filho é referência em pesquisas sobre o governo militar. Foi criador do Arquivo de Política Militar Ana Lagôa e o primeiro presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (2006-2008).
Para ele, ainda é difícil prever a forma como se expressará a questão militar no governo Lula. O que se tem por certo é que os chefes militares se associaram intimamente à campanha eleitoral e ao governo de Bolsonaro e é possível que procurem manter as conquistas corporativas.
“Como recompensa, a carreira militar foi excluída da reforma da Previdência e ganhou uma reestruturação que beneficiou significativamente os soldos dos escalões superiores”, comenta.
Conforme o pesquisador, a presença de milhares de oficiais das três forças em cargos de confiança do governo poderia ser facilmente resolvida com a substituição da maioria deles.
O grande entrave, o que realmente seria de mais difícil resolução, é o que o sociólogo chamou, em artigo recente de sua autoria, de “problema militar”, que em sua opinião “continuará lançando sua sombra sobre a democracia brasileira”.
Ele explica que o termo “problema militar” engloba algo mais profundo e complexo. “O que queremos de nossas FFAA? Como afastá-las da política? Como fazê-las obedecer ao poder civil? Esse deve ser o verdadeiro problema a ser resolvido e para isso será necessária muita virtú, engenho e arte.”
Martins Filho afirma que certamente haverá antipatia dos comandos militares ao governo de Lula. Ele acredita que na primeira oportunidade, poderão criar problemas ao presidente. Seria oportuno, segundo o pesquisador, que o petista aproveitasse a trégua da vitória para tomar algumas medidas de imediato.
As relações da caserna com governos do PT, na verdade, nunca teriam se aprofundado. Martins Filho diz que não houve uma política militar no governo Lula, e sim uma postura de evitar conflitos e conceder armamentos.
Não teria ficado claro o que o poder civil queria do instrumento militar – o que teria se evidenciado pela constante troca de ministros da Defesa, ainda que nenhum general tenha sido chamado para comandar a pasta. As relações se azedaram na gestão de Dilma Roussef, com a criação da Comissão da Verdade. Foi o bastante para que os chefes militares declarassem guerra do PT.
“Desta feita, não será possível alegar inocência quanto às ideias e atitudes que predominam na caserna”, considera o sociólogo. “Um dos efeitos negativos da aposta militar em Bolsonaro foi que, com isso, os chefes militares deixaram à vista seu modus operandi. Só não vê quem não quer.”