Publicado no Unisinos:
Outros passos a mais podem ser acrescentados: a ONU declarou que a vigilância massiva constitui uma violação aos direitos humanos; o Brasil irrompeu no cenário organizando uma cúpula sobre a governabilidade digital, ao final da qual adotou a primeira declaração sobre os direitos de Internet (Marco Civil); as companhias como Google, Facebook e Yahoo introduziram dispositivos de segurança em seus sistemas para proteger melhor seus clientes e, um pouco em todas as partes do mundo, foram criados grupos de ação e de reflexão. Edward Snowden nos forçou a ver o que recusávamos olhar de frente.
Apesar do afã de Snowden, avançou-se pouco. As opiniões públicas parecem não ter integrado a profundidade do mal e os autoproclamados avançados do mundo continuaram navegando com o Google como se nada tivesse acontecido, trocando fotos e segredos pelo Facebook, em suma, presenteando as empresas do império que manobram como ninguém as tecnologias da informação, o mapa completo de suas vidas, a complexa trama de seus amores e relações. Tudo grátis.
É preciso mais ação, mais barulho, mais consciência e participação. Esses eternos privilegiados, que são os intelectuais, precisam mover seus neurônios morais e ampliar as bases de seus princípios para incluir a Internet em suas reflexões e suas lutas.
É preciso que destravem os inamovíveis e admitam que a era digital e a relação assídua que mantemos com ela criaram uma espécie de democracia digital que também é preciso defender, assim o como o direito à expressão, o sindicalismo, a liberdade, a justiça, o matrimônio igualitário e a militância contra a miséria, a violência e a exploração. Porque nessa democracia digital esses princípios são violados a cada momento.
Hoje, a prerrogativa de entender o que está ocorrendo realmente no coração da rede está nas mãos de muito poucos. Seis ou sete autores – todos jovens – no mundo detêm a capacidade de pensar esse mundo virtual e as inumeráveis formas como, desde a capitalização de nossos inumeráveis clicks até o uso de algoritmos para controlar nossas vidas, um volume consequente dos direitos adquiridos no mundo real desaparece no virtual.
O Muro de Berlim veio abaixo há um quarto de século; Marx é indispensável, mas não existia Internet em sua época. É preciso repensar tudo porque, para começar, as empresas que nos oferecem laços sociais possuem um contato exclusivo com os serviços secretos. O terrorismo de corte islamista deu às agências de segurança um cheque em branco. Em seu nome, continuam nos espiando vergonhosamente.
A França, por exemplo, acaba de votar uma das leis mais intrusivas e violadoras da história moderna. Nunca como agora os Estados haviam se inserido com tantos meios entre nós e o mundo. É pura e moralmente desastroso, um ato de barbárie contra as liberdades e a intimidade humana. A Internet é uma criação fabulosa, uma chave genial para explorar os labirintos da vida, do conhecimento, dos outros. Porém, eles a estão corrompendo. É utilizada como uma arma contra nós.
Não obstante, Snowden pensa que nem tudo está perdido. Segundo escreve em seu texto, “assistimos ao nascimento de uma geração posterior (aos atentados de 11 de setembro), que rejeita uma visão do mundo definida por uma tragédia particular”.
Os Estados do Ocidente, no entanto, definem suas políticas em relação com essa tragédia. Isto equivale a controlar o planeta porque são esses estados os que detêm as chaves da tecnologia. Não há nenhuma dúvida de que, neste preciso momento em que você, leitor, chega a estas linhas através de uma página de Internet, alguém, em algum lugar, sabe que você as está lendo.