POR TÂNIA MARIA DE OLIVEIRA, da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Enquanto o país aguardava mais um capítulo da série “The Intercept Brasil – As Mensagens Secretas da Lava Jato”, o Diário Oficial da União informou que o ex-juiz implicado nas denúncias estava indo para os Estados Unidos, como Ministro da Justiça e Segurança Pública, “fazer visitas técnicas a instituições”. E, claro, nós acreditamos no motivo. Parece muito lógico e inquestionável que viaje para fora do Brasil, diante da crise em que está envolvido, sobremaneira para os EUA, já que existem, desde sempre, acusações e suspeitas do comprometimento de autoridades americanas na Lava Jato, incluindo a NSA e a CIA, denunciadas por Edward Snowden de espionagem internacional, por meio do mesmo jornalista responsável pelo The Intercept, Glenn Greenwald. Sim, somos crédulos das “visitas técnicas a instituições”, assim como acreditamos na versão do “não lembro se disse, mas se disse não tem problema”.
Ironias à parte, a verdade é que, a considerar a repercussão fora do Brasil, se a Polícia Federal tentar bancar a tese de Sérgio Moro, seremos uma piada internacional.
Vejamos bem como é peculiar a narrativa desenvolvida.
A segurança de um aplicativo usado no mundo inteiro foi quebrada pela primeira vez na história. E um hacker o fez para alterar conversas de um juiz com procuradores de uma operação de investigação no Brasil, e criar diálogos “que não tem nada de mais”. Para roubar descaradamente a metáfora do Gregório Duvivier, no seu programa “GregNews”, seria como um ladrão roubar seu cartão de crédito e adulterar sua senha, apenas para pagar suas contas. Parece piada? E é. Mas é sério.
A nova divulgação veio na manhã deste domingo (23/06), desta vez pelo Jornal Folha de S. Paulo, em parceria com o portal The Intercept Brasil. São muitas implicações, que vão desde a menção a barrar qualquer tentativa de abertura de investigação no Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por intermédio da Associação Nacional de Procuradores da República – ANPR, com menção de futuro diálogo com o representante do MPF no CNJ, até o fato de que a PF efetivamente vazava informações para a imprensa.
Todo o conteúdo é muito grave. Porém, duas coisas, no meu entender, se apresentam mais impactantes. Em primeiro lugar a afirmação de que o parecer da PGR ao STF no caso da Reclamação sobre os grampos ilegais envolvendo a Presidenta da República seria enviado à Lava Jato, para “revisão”. Em segundo, a evidência que Moro e os coordenadores da força-tarefa jogavam com o STF, escondiam ou revelavam informações, de acordo com suas intenções
“Deltan (15:37:55) – Manifestação protocolada. Antes de protocolar, passou pelo ok da PGR.
Deltan (16:04:57) – Os autos da reclamação do grampo estão indo para a PGR. Falei com pessoas de lá para trazer a bola pro chão e pra razão. A decisão do Teori ontem foi absurda. Na parte em que ele fala de responsabilização, foi teratológica. Qq decisão judicial pode ser revista para o sentido oposto em recurso. Trata-se de questão de entendimento jurídico no caso concreto. Acho provável que eles coloquem algo nesse sentido no parecer, que passará pela nossa revisão.” (grifei)
“Moro (13:06:32) – Coloquei sigilo 4 no processo, embora já tenha sido publicizado. Tremenda bola nas costas da PF. Não vejo alternativa senão remeter o processo do Santana ao STF”.
Parece tranquilo supor que um parecer da PGR ao STF possa ser submetido aos membros da força-tarefa da Lava Jato para “revisão”, haja vista serem todos membros do Ministério Público? Não, não é! É uma ilegalidade! É preciso entender que o Ministério Público Federal representado pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba é PARTE no processo, enquanto a PGR, quando oferece parecer ao STF em qualquer ação, atua como “custos legis” (fiscal da lei), não podendo, por isso, ter qualquer interferência das partes envolvidas.
De outro lado, a revelação de que Moro escondia informações do STF é dramática. Ele afirma que só enviou alguns processos ao STF quando – por uma “bola nas costas da PF” – vieram a público.
O que nos dizem as duas instituições – STF e PGR – a respeito? Permanecerão “aguardando averiguações”? Que, a propósito, seriam quais, já que nenhuma teve a iniciativa de ambos os órgãos? As que Moro pediu para a PF abrir para investigar “ataque hacker”?
A Procuradoria-Geral da República recebeu, desde o primeiro momento das divulgações, representações solicitando a investigação sobre o conteúdo dos diálogos. Até o momento a única manifestação da Procuradora-Geral Raquel Dodge, no entanto, ocorreu nos autos do HC apresentado pela defesa do ex-presidente Lula no STF, afirmando que “não é possível atestar a veracidade de conversas que teriam sido realizadas entre Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol”. O que, a propósito, foi muito estranho, já que o HC foi ajuizado em dezembro de 2018, não tendo, portanto, como objeto as revelações do The Intercept Brasil. Nenhuma resposta ou posição sobre as representações.
O STF não pode se calar diante da obviedade, corroborada com os fatos que se sucedem aos diálogos, de que Sérgio Moro ocultava criminosamente informações ao relator naquela Corte, ministro Teori Zavascki.
Não se pode descuidar de que as violações cometidas redundaram na prisão de pessoas. A liberdade é um bem maior que qualquer outro levado em consideração para relativizar os conteúdos que ora vêm a público. É preciso que se esclareça se as leis do nosso país ainda governam os homens ou há, de fato, homens do Estado acima das leis, que as manipulam e as governam. Nesse ponto, o silêncio dos dois órgãos pode ser ensurdecedor.