O CEO do laboratório alemão Bayer, Marijn Dekkers, pode ser acusado de tudo, menos de não ser sincero. “Nós não desenvolvemos o Nexavar para indianos. É um remédio para pacientes ocidentais que possam pagá-lo”, disse em janeiro durante um fórum de farmacêuticos. A declaração teve repercussão internacional graças à divulgação feita pela ONG Médicos Sem Fronteira.
O Nexavar é importante principalmente no tratamento de câncer de fígado porque pode prolongar a vida do paciente em até oito meses, tempo fundamental para se conseguir um doador. Mas é caro. Na Índia, a dose mensal recomendada custa 4 mil euros. No Brasil, o preço oficial é de 8 mil reais.
Dekkers é sincero porque o Nexavar é da familia dos remédios caros que a industria farmacêutica vem produzindo para determinados consumidores que possuem determinadas doenças – como alguns tipos de câncer, hemofilia, esclerose múltipla, entre outras. Um modelo de negócio. A industria automobilística produz alguns modelos para consumidores endinheirados e outros modelos mais populares e acessiveis. Quem nao tem grana para comprar uma BMW que compre um Fiat.
Dentro dessa filosofia, a Bayer vende o Nexavar, que no ano passado foi o quarto medicamento mais lucrativo da empresa. Faturou 796 milhões de euros.
Dekkers nao está preocupado com a imagem da empresa e nem mesmo com uma possível ética que talvez ainda exista nessa atividade. Ele é um executivo cuja missão é produzir crescimento financeiro ano após ano. Por isso, ficou furioso com o governo indiano, que usou o recurso da licença compulsória, previsto pela Organizaçao Mundial do Comercio. Quem vai produzir o sorafenibe, substancia de que é composto o Nexavar, é o laboratório indiano Natco, que está pondo o remédio no mercado por menos de 100 euros. A Bayer vai ficar apenas com 6% das vendas.
A Índia é um exemplo em sua política de medicamentos populares. Remédios são vendidos em qualquer esquina, a preços acessíveis e unitariamente, o que evita o desperdício. A produção indiana de genéricos de boa qualidade e custo baixo valeu ao país o título de “farmácia do mundo em desenvolvimento”. E o diretor da Natco, Bhaskar Narayana, já está tendo ideias: “Abrimos a possibilidade de produzir genéricos de outros medicamentos patenteados cujos preços são muito altos”, disse ele. O Brasil usou a licença compulsória em 2007 com a droga efavirenz, usada no tratamento da Aids e patenteada pela farmacêutica Merck Sharp & Dohme. Pagou uma indenização e hoje distribui o remedio gratuitamente.
Dekkers abriu o jogo com toda a sua sinceridade de business man. Sim, ainda houve uma certa movimentação da Bayer e de algumas autoridades alemãs no sentido de atenuar declaração. Ele mesmo falou algo como “não é bem assim”. Mas é. Todos sabem disso e muitos justificam esse modelo de negócios sob o argumento dos altos custos empregados para o desenvolvimento de um remédio, a tecnologia e blablablá.
A questão é que medicamentos não são carros. Ou são?