O que pode ser feito para salvar o rio Doce

Atualizado em 5 de dezembro de 2015 às 16:20

rio doce

Publicado na DW.

 

O rompimento da barragem de Fundão, em Minas Gerais, completa um mês neste sábado (05/12) com uma lista catastrófica de impactos ambientais – sem entrar no mérito dos impactos sociais do desastre, vários irrecuperáveis.

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os rejeitos atingiram 663 quilômetros de rios – entre o rio Doce e seus afluentes – e destruíram quase 1,5 mil hectares de terra, incluindo áreas de preservação permanente.

O órgão estima que a recuperação dos danos causados pelo desastre leve pelo menos dez anos. “É o prazo mínimo para a restauração de processos ecológicos dos rios e de suas áreas marginais”, afirma a presidente do Ibama, Marilene Ramos, em entrevista à DW Brasil.

Dentro desses dez anos, estão incluídas medidas de reparação dos danos à vegetação, dos impactos à fauna e à ictiofauna (população de peixes da região) e das águas dos rios e da região costeira do Espírito Santo, aonde a lama chegou em 21 de novembro.

Quando se trata da qualidade das águas, os especialistas são mais otimistas. Paulo Rosman, professor de engenharia costeira da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), afirma que as próprias chuvas podem se encarregar de renovar as áreas menos afetadas do rio Doce.

“O rio é um fluxo. Passa uma onda matando tudo, mas depois vem a água normal”, explica Rosman. Como a região do baixo rio Doce – mais próxima do encontro com o Oceano Atlântico – recebeu uma lama com menos concentração de sedimentos, ele diz que as chuvas serão suficientes para recondicionar essa área, o que deve acontecer em até cinco meses.

Por outro lado, o alto rio Doce, profundamente devastado pela avalanche de sedimentos, “precisa urgentemente de uma intervenção de engenharia florestal e agrônoma, a fim de corrigir o solo e fazer o replantio da vegetação marginal”, alerta o especialista.

Gerson Campera, consultor em engenharia e zootecnia de barragens e diretor técnico do Instituto Mineiro de Perícias, concorda que é essencial um programa para a recuperação das águas. “Sem incursão de obras, ou de intervenção humana, o rio Doce levará cerca de 20 anos para voltar à sua condição original”, estima o especialista.

O que pode ser feito?

Para Campera, a primeira medida a ser tomada é a redução dos riscos de novas rupturas – há duas barragens na região ameaçadas: Germano e Santarém: “Antes de tentar recuperar o rio, são necessárias obras de reforço, fazer um barramento em frente a essas barragens. Não se pode colocar pessoas embaixo com risco de ruptura em cima.”

Existe ainda outro perigo. A onda de lama arrastou cerca de 34 milhões de metros cúbicos de rejeitos, dos 50 milhões que a barragem de Fundão continha. Ou seja, “ainda há 16 milhões de metros cúbicos de sedimentos que podem ser carreados aos rios a qualquer chuva forte”, explica a presidente do Ibama.

Para impedir que isso aconteça, a mineradora Samarco, responsável pela barragem, tem 90 dias para construir um sistema em Fundão que faça a limpeza desses rejeitos que sobraram lá em cima. “A água com resíduos deve ser previamente tratada – com floculantes, por exemplo – para que, se ela chegar aos rios, já chegue limpa”, afirma Ramos.

Para recuperar o rio Doce, os especialistas ouvidos pela DW Brasil citam a importância de se restaurar a vegetação que fica nas áreas marginais de seu curso, já que ainda há muitos sedimentos encalhados nessas encostas. “Se não for feito o reflorestamento, esses rejeitos serão arrastados pelas chuvas e levados aos rios. Ou seja, vai haver água barrenta por muito mais tempo”, explica o professor Paulo Rosman.

O biólogo Ricardo Motta Coelho, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda. “Precisamos recuperar a vegetação devastada. O lado bom é que, no Brasil, temos um clima tropical, e o metabolismo atua a nosso favor. As comunidades irão se restabelecer”, garante o especialista.

Outra ação importante é a dragagem dos rios afetados. A técnica usa equipamentos de engenharia, conhecidos como dragas, para remover sedimentos das águas. “Isso, com certeza, aceleraria o processo de limpeza do rio”, diz Gerson Campera.

Ramos, porém, afirma que “é tecnologicamente impossível promover uma verdadeira filtragem do rio”. Para compensar, o Ibama sustenta a necessidade de se combater outras fontes de poluição. “Na bacia do rio Doce, 90% do esgoto é jogado nos rios sem nenhum tratamento. Precisamos implantar sistemas que tratem esse esgoto.”

Por fim, quando as águas estiverem em condições ecológicas favoráveis, deve haver um esforço pelo repovoamento da ictiofauna, segundo Motta Coelho. “Não é uma tarefa trivial, mas é perfeitamente possível”, garante ele.

Os últimos dados do Ibama revelam que pelo menos 11 toneladas de peixes mortos foram encontradas após a avalanche de lama. Para proteger esses animais, “várias espécies nativas do rio Doce foram capturadas e estão agora em centros para reprodução para, posteriormente, serem reintroduzidas nas águas”, afirma a presidente do órgão.

Quem fará?

No início da semana, o governo federal e dos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo entraram com uma ação civil pública pedindo que a Samarco – uma joint venture da Vale e da BHP Billiton – crie um fundo com 2 bilhões de reais ao ano, durante uma década.

A ação compreende uma linha de quatro pontos: acabar com os danos, minimizar os impactos do desastre, revitalizar e recompor biologicamente a bacia do rio Doce e indenizar as pessoas que foram prejudicadas.

“A proposta é que a própria empresa, juntamente com suas controladoras, invista num plano de restauração do rio Doce”, diz a presidente do Ibama, que considera o rompimento da barragem em Mariana como “o maior desastre ambiental da área de mineração do mundo”.

Para o biólogo Motta Coelho, é “perfeitamente possível” recuperar a bacia do rio Doce, uma vez que hoje há tecnologias sofisticadas. “Meu medo, porém, é que esses esforços de recuperação parem na burocracia”, conclui o especialista.

Procurada pela reportage da DW Brasil, a Samarco não se manifestou até o fechamento desta reportagem.