O que podemos aprender com a lucidez de Sônia Braga. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 21 de outubro de 2019 às 16:31
A atriz Sônia Braga

O apelo da atriz Sônia Braga contra a omissão do governo Bolsonaro na tragédia do vazamento de óleo nas praias do nordeste tem a lucidez necessária neste momento em que é tão arriscado deixar-se calar pelo desespero. 

Dizer exatamente o que precisa ser dito quando tudo o que queremos é gritar nossa revolta é, aliás, a diferença entre protesto e chilique: a questão não é apenas falar, é falar a coisa principal.

Há muitas coisas a serem ditas sobre o óleo nas praias do nordeste: a irresponsabilidade ambiental – que se pode chamar de comportamento criminoso – das grandes indústrias (Shell, é você?) e, em última análise, do próprio capitalismo; a mobilização dos nordestinos, que vêm limpando suas praias no braço; ou a mesquinhez de alguns que dizem amar nossas belezas naturais, mas não o suficiente para se mobilizarem quando uma mancha de óleo gigantesca mata os animais marinhos.

A coisa principal, entretanto, não havia sido dita precisamente, tarefa assumida com maestria por Sônia: é inaceitável a omissão do Governo Federal frente a um desastre ambiental de dimensão planetária.

“É inacreditável. Não existe ação do governo federal para conter o óleo nas praias do Nordeste.

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A grande mobilização vem do povo nordestino, das pessoas que se juntaram, arregaçaram as mangas e decidiram agir.

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Os estados e municípios estão sozinhos, se desdobrando, se unindo aos voluntários para tentar conter os danos ambientais causados.

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Enquanto isso, o Ministério do Meio Ambiente está mais preocupado em politizar a questão do que fazer alguma coisa.

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É isso que o Nordeste representa para o governo Bolsonaro. Mas o povo nordestino me orgulha cada dia mais, pelas atitudes, pela força, pela resiliência. (…) Ninguém sabe de onde vem, ninguém sabe quem foi, ninguém sabe de nada, ninguém nunca sabe de porra nenhuma. O Nordeste sempre foi receptivo e carinhoso com todos, precisamos das praias limpas pra receber vocês.. Talvez esse óleo tenha que sair na torneira de alguém pra ser resolvido.

Que desgraça.”

É isso.

É bonito que o povo nordestino reaja tão bravamente com mutirões de limpeza, mas é obsceno também. É obsceno porque, em um país sério, essa força tarefa partiria do Poder Público – e talvez partisse se a mancha de óleo estivesse nas praias do sudeste, ou se o óleo saísse da torneira dos ricos. Mas estamos no Nordeste e, por aqui, nos sentimos por vezes tão esquecidos quanto o povo de Bacurau.

Não tem como não dizer: é uma putaria muito grande um negócio desses.

Sônia disse, e com essas palavras.

Que feliz termos na história do cinema e teledramaturgia brasileira um nome como o dela, e que feliz, apesar de tudo, saber que ela está do nosso lado com sua gigantesca lucidez.

Levantar-se contra as pessoas certas e com as palavras certas: é assim que se atinge o cerne da questão, o coração das coisas, o ponto principal. E o ponto principal, como a essa altura já podemos concluir, é que a omissão do Governo Federal é criminosa, e só mesmo uma Sônia Braga, livre de formalidades e papas na língua, pra definir um momento tão tragicamente surreal: que desgraça.