Advogados de grandes criminosos devem estar assombrados com os dribles que o defensor do coronel Mauro Cid aplica há duas semanas na grande imprensa.
Cezar Bitencourt está toureando os jornalistas das corporações como se lidasse com estagiários afoitos em busca de furos. Todos são usados e enrolados.
Desde que assumiu o caso, em 15 de agosto, Bitencourt joga à vontade. Começou dizendo que Cid confessaria tudo e deixaria claro que cumpria ordens do presidente.
Na sequência, afirmou que não havia dito nada. Logo depois, admitiu que seu cliente participou da venda de joias, e no dia seguinte corrigiu que se referia não a joias em geral, mas apenas ao relógio Rolex.
Bitencourt diz ou manda que alguém diga, no ouvido de jornalistas das corporações, o que quer ver publicado.
Um blefe recente, que os jornalões também atribuíram a ele, sugeriu que o coronel estava disposto a colaborar com a Polícia Federal.
Bitencourt fez circular, com cara de vazamento para a imprensa, que Cid havia encaminhado um pré-acordo com a PF, sem esclarecer do que trataria esse acerto.
Em todas as idas e vindas, o advogado usou a imprensa para mandar o recado, recuar, criar uma informação dada como categórica mais adiante, recuar de novo, até produzir, na sexta-feira, um vídeo com a declaração de que Cid livraria Bolsonaro.
Cid havia assumido tudo. As mais de 10 horas de depoimentos à PF na quinta-feira, entendidas como uma maratona para detalhar os rolos e os personagens dentro do Palácio do Planalto, seria apenas para incriminá-lo, segundo a última versão do advogado.
O mandalete de Bolsonaro, assumidamente mandalete, depõe da manhã à noite para passar à PF detalhes de operações que transferem para ele toda a responsabilidade dos crimes. Mas quais crimes?
O que temos agora é que Cid assumiu tudo, e são desprezadas todas as informações anteriores desde a declaração de que ele cumpria ordens.
Parece que assim fica tudo bem para Cid, para o pai dele, para o Exército, para Bolsonaro, para Michelle. Mas não fica.
Porque podemos estar de novo diante de mais um blefe e porque a informação do advogado é genérica e incompleta.
Nas notícias sobre o pré-acordo, a grande imprensa informou que o ajudante poderia detalhar todas as operações nas quais se envolveu, das joias, da fraude do cartão de vacina e do golpe.
Na última informação, de sexta-feira, a fraude e o golpe desaparecem e fica apenas a declaração do advogado de que Cid assumiu tudo.
Tudo o quê? Tudo sobre a venda e a recompra do relógio e tudo sobre os pagamentos que fazia com dinheiro de Bolsonaro, porque o chefe nem cartão de crédito tinha? Só?
Falta esclarecer o que é o tudo que ele assume e falar sobre a fraude da vacina e as articulações do golpe. O advogado pode estar, segundo um antigo verbo, tergiversando para enrolar quem deseja ser enrolado.
Pode estar confundindo a imprensa com mais uma versão. E pode ele mesmo estar confuso por ter perdido o controle da situação.
“O Cid assumiu tudo, não colocou Bolsonaro em nada”, afirma o advogado. E fica em aberto o que o tudo e o nada representam no conjunto da obra. Talvez não signifiquem nada mesmo.
O tal pré-acordo seria para assumir a bronca e livrar Bolsonaro, e os jornalistas que passavam as mensagens adiante entenderam errado?
Mauro Cid está exaurido. O coronel precisa de um acordo, mas consigo mesmo, que pese a sua situação de possível ex-militar, a situação do pai dele, de Bolsonaro, de Michelle, dos oficiais amigos com os quais trocava mensagens e das Forças Armadas.
É um acordo complexo, antecedido pela disseminação de mensagens enviesadas para, enganando a imprensa, testar reações, principalmente dos militares, e ganhar tempo para decidir o que de fato fazer.
Não exagera quem suspeitar que, por motivos oferecidos por outras situações com desfechos ruins e até trágicos, Mauro Cid esteja sentindo medo.
Originalmente publicado em blog do Moisés Mendes