POR JOSÉ EDUARDO BICUDO, professor de Ciências Biológicas da Universidade de Wollongong, na Austrália, e filho de Hélio Bicudo.
O Brasil desempenhava um papel relevante na diplomacia internacional entre 2003 e 2014. Durante esse período, entre inúmeras iniciativas, o país contribuiu significativamente para a confecção do acordo de Paris sobre mudanças climáticas, firmado em dezembro de 2015.
Em linhas gerais, o acordo de Paris estabelece parâmetros regulatórios com vistas à redução de emissões de carbono a fim de que a temperatura do planeta não ultrapasse 2oC até 2025.
A China é hoje o maior emissor mundial de carbono. Os EUA, por outro lado, são o maior emissor de carbono de todos os tempos, ou seja, desde a revolução industrial, e por essa razão era, até ontem, o maior contribuinte para o fundo financeiro criado a partir do acordo de Paris para mitigar as discrepâncias existentes, principalmente entre países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento.
O presidente Donald Trump anunciou, ontem, 1º de junho, a saída do acordo de Paris, para decepção dos signatários, principalmente China e União Européia. É fato que a saída na prática já ocorrera há dois meses atrás quando o presidente Trump, por meio de “ordens executivas”, equivalentes às nossas medidas provisórias, enfraqueceu a “Agência de Proteção Ambiental” norte-americana (Environmental Protection Agency), equivalente ao nosso Ministério do Meio Ambiente, o que permitiu de imediato a desregulamentação de várias medidas adotadas durante os governos do ex-presidente Barack Obama, que visavam justamente atender às demandas do acordo de Paris.
É importante observar que a medida adotada pelo governo norte-americano foi fortemente criticada por vários setores importantes da indústria daquele país, como veiculado pelo BloomsbergBusinessweek e outros veículos de comunicação.
Trump gosta de se referir àqueles que são contra as suas ideias e as de seu governo como losers (perdedores). No entanto, o maior perdedor da saída norte-americana do acordo de Paris serão os próprios EUA, pois China e União Européia irão a partir de agora exercer a liderança nesse campo.
O Brasil, se tivesse mantido a sua posição como um dos atores importantes no cenário mundial, poderia se beneficiar em muito dessa retirada, posto que vinha exercendo forte liderança junto a outros países do hemisfério sul e na parceria que mantinha com China, Rússia, Índia e África do Sul, com a formação do chamado BRICS.
O Brasil, de 2003 até 2014, vinha investindo fortemente em ciência e tecnologia, no aprofundamento da pesquisa básica na área de ciências ambientais e no desenvolvimento de novas tecnologias.
A partir desse investimento do governo brasileiro, valiosos estudos foram realizados, cujos resultados foram publicados em revistas científicas de renome internacional. O Brasil vinha, portanto, contribuindo de modo importante com pesquisas científicas, dentre as quais destacam-se aquelas que visavam à compreensão dos efeitos das emissões de carbono junto, por exemplo, à Floresta Amazônica e a outros biomas brasileiros, possibilitando, a partir daí o desenvolvimento de novas tecnologias, as quais, por sua vez, poderiam à médio e longo prazos levar à diminuição dos impactos provocados pelo aquecimento global e, por consegüinte, atender às demandas do acordo de Paris, do qual o Brasil ainda é signatário.
Digo ainda, porque a partir de 2015, com o desmonte generalizado que o país vem sofrendo, cujos efeitos sobre os programas de desenvolvimento científico e tecnológico têm sido trágicos, para dizer o mínimo, levarão o Brasil, mesmo que informalmente, a deixar o acordo de Paris sobre mudanças climáticas, à exemplo do que fizeram de maneira formal os EUA.
Portanto, só a retomada imediata da democracia poderá fazer com que o Brasil volte a exercer papel de destaque no cenário mundial, como vinha ocorrendo até 2014. Se isso não acontecer logo, o Brasil perderá outra chance única de estar entre as principais lideranças mundiais, como China e União Européia, em especial no que diz respeito à preservação do nosso planeta.