Publicado na bbc.
Muito falada mas pouco discutida, a regulação da mídia deve deve voltar a ganhar força a partir desta sexta-feira, pois está prevista para ser debatido em uma reunião do PT com início previsto para esta sexta-feira.
A BBC Brasil explica aqui os principais pontos da discussão.
Por que o tema está sendo debatido agora?
A regulação da mídia é uma bandeira histórica do PT. Durante a campanha à Presidência, o partido pressionou para que a presidente Dilma Rousseff encampasse a discussão em um eventual segundo mandato.
Após sua reeleição, a petista deu algumas declarações defendendo a regulação econômica da mídia. Ela negou repetidamente a intenção de regular conteúdo.
Em entrevista a jornais brasileiros no mês passado, ela disse que “Regulação econômica diz respeito a processos de monopólio e oligopólio.” A presidente deve iniciar uma consulta pública sobre o tema no segundo semestre do ano que vem.
O enviado especial da ONU para liberdade de expressão, David Kaye, destacou, em entrevista à BBC Brasil, a necessidade de evitar monopólios na mídia – com mais competição, segundo ele, é maior a possibilidade de repórteres investigarem histórias que podem não ser favoráveis ao Estado.
“Só é preciso ter mais cuidado para que esta lei não dê ao governo uma forma de controlar o conteúdo”, afirma.
A mídia precisa ser regulada?
Os grupos que defendem a regulação da mídia dizem que o projeto aumentaria a democratização do setor.
O FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação), entidade que reúne diversos grupos que defendem mudanças na regulação, afirma, por exemplo, que cinco grandes emissoras de TV (Globo, SBT, Record, Band e Rede TV!) dominam o mercado brasileiro.
A Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), diz, no entanto, que há no país 521 emissoras de TV – a conta inclui TVs regionais que retransmitem, em grande parte, conteúdo das grandes emissoras.
“A democracia se aprofunda em ambientes onde há mais diálogo, onde a diversidade de ideias, as diferenças regionais, têm espaço equilibrado na mídia em geral. O que nós queremos, em resumo, é mais democracia. E o caminho é a criação de um marco regulatório moderno”, disse à BBC Brasil o presidente do PT, Rui Falcão.
Defensores da regulação da mídia destacam que alguns artigos da Constituição que falam do setor não foram regulamentados pelo Congresso.
Eles proíbem monopólios e oligopólios, estabelecem que a programação deve atender a critérios regionais e determinam regras para publicidade.
O presidente da Abert, Daniel Slaviero, afirma que, apesar da demora para regulamentação destes artigos, a mídia já é regulada.
“Quando fala-se em regulação parece que a mídia não é regulada. Isso é um erro, porque temos mais de 650 normas -portarias, decretos ou leis- que regulamentam o setor de comunicação social, não só rádio e TV como impresso.”
Quem seria atingido pela regulação?
No Brasil, emissoras de rádios e TV são concessões públicas – é como se o governo “emprestasse” às empresas o espaço para transmissão, que é um bem público. Por isso, assim como outros setores em que há concessões, são passíveis de regulação.
Jornais, revistas e sites noticiosos não seriam atingidos por esta discussão.
Durante a campanha eleitoral, o PT aumentou o tom de suas críticas à imprensa, principalmente à revista Veja.
O presidente do partido diz que, nesta área, a sigla defende o projeto de lei que dá ao eventual ofendido o “direito de divulgação de resposta gratuita e proporcional à matéria ofensiva, com o mesmo destaque, publicidade, periodicidade e dimensão.”
O governo já apresentou o projeto para regulação?
Há, provavelmente, mais dúvidas do que certezas sobre como seria a regulação da mídia no Brasil. Isso ocorre porque ainda não há um projeto definido.
A presidente Dilma afirma que o debate terá que ser feito com a sociedade. Até agora, ela já afirmou que o foco seria a proibição de monopólios e oligopólios, mas não especificou os critérios.
A posição da presidente contrasta, em parte, com a de seu partido. O PT tem posições mais à esquerda e apoia os movimentos sociais que lutam pela democratização da mídia.
“Não temos como ter posição firmada sobre isso enquanto não conhecermos o projeto concreto. Mas, de antemão, qualquer coisa que interfira no conteúdo tem repulsa e rechaço não só por parte dos veículos e profissionais como da sociedade como um todo, que considera liberdade de imprensa um dos pilares da democracia”, diz o presidente da Abert.
Então qual o projeto que existe?
O FNDC formulou um projeto de lei de iniciativa popular e está, há cerca de um ano, colhendo assinaturas para que a proposta chegue ao Congresso. São necessárias 1,3 milhão de assinaturas – o mecanismo é semelhante ao que criou a Lei da Ficha Limpa.
Entre os principais pontos da proposta estão:
1. Impedir a formação de monopólio e a propriedade cruzada dos meios de comunicação (um mesmo grupo não poderá, por exemplo, controlar diretamente mais do que cinco emissoras, e não receberá outorga se já explorar outro serviço de comunicação eletrônica no mesmo local, se for empresa jornalística ou publicar jornal diário)
2. Veto à propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos
3. Proibição do aluguel de espaços da grade de programação (para grupos religiosos ou venda de produtos, por exemplo)
4. Criação do Conselho Nacional de Comunicação e do Fundo Nacional de Comunicação Pública.
O presidente da Abert classifica o projeto como atrasado, porque ele não tem regras, por exemplo, para a internet.
Slaviero afirma também que é um erro confundir rede de programação com propriedades – segundo eles, diferentes emissoras não pertencem ao mesmos donos, mas transmitem em parte conteúdos semelhantes para apresentar novelas e conteúdos nacionais.
Ele diz que a mídia já é plural. Segundo ele, por exemplo, São Paulo tem 21 canais abertos – “só fica atrás de Nova York”.
O representante das emissoras também classifica como “impeto autoritário” a criação de conselhos de comunicação.
Esta proposta inclui regulação de conteúdo?
O projeto aponta diretrizes para a programação de emissoras, sem fazer referência a conteúdo.
A proposta determina, por exemplo, que emissoras afiliadas a uma rede de televisão deverão dedicar pelo menos 30% da grade com produção regional. Já as nacionais precisam destinar 70% da programação a conteúdo nacional, e pelo menos duas horas por dia a jornalismo.
Também há regras relacionadas a crianças e adolescentes, como a proibição de publicidade dirigida a crianças com menos de 12 anos.
Propostas semelhantes a esta provocaram polêmica em 2010, ao serem apresentadas pelo então ministro da Comunicação, Franklin Martins. O projeto, que previa a regulação de conteúdo, foi engavetado pela presidente Dilma.
Mas ainda hoje a proposta de “controle social da mídia” é apontada por críticos como um exemplo de que o PT teria a intenção de censurar a mídia.
Regular a mídia significa restringir a liberdade de imprensa?
O presidente da Abert, Daniel Slaviero, diz que ainda não é possível discutir o significado da regulação econômica, porque o governo não apresentou a proposta. Mas ele é contrário à regulação de conteúdo prevista, por exemplo, no projeto de lei de iniciativa popular.
“Quando se fala em regulação da mídia no sentido de acompanhar, fiscalizar, o conteúdo das emissoras, controle social da mídia, é óbvio que isso tem um viés de interferência no conteúdo, e conteúdo não pode sofrer intervenção. A mídia pode ser responzabilizada pelos eventuais excessos: tem Código Civil, Penal, etc. Mas acho que qualquer iniciativa que, mesmo de forma indireta, interfira no funcionamento é uma interferência indevida.”
Ele usa como exemplo a determinação de um percentual mínimo de tempo dedicado à programação infantil, por exemplo. “Depois determinam para público infanto-juvenil, para jovens-adultos…”, o que retiraria, assim, a liberdade da emissora de determinar sua própria programação.
O presidente do PT, Rui Falcão, afirma que o partido nunca defendeu e não defende a censura.
“Quando a ideia de um conselho – mecanismo usado inclusive em vários países desenvolvidos – foi apresentada pelo governo, ela foi imediatamente demonizada pela mídia monopolizada e sequer foi debatida. Minha posição é de que o tema precisa ser discutido democraticamente, porque o Brasil não pode continuar refém de grupos de interesses.”