A animação Lighyear, spin-off do universo Toy Story, já causou polêmica antes mesmo da estreia, que aconteceu no dia 15/06 em quase todos os países do mundo. Quase.
Isso porque o filme foi banido de 14 países do Oriente Médio e da Ásia, entre eles Arábia Saudita, Egito, Líbano, Malásia e Indonésia.
Apenas a Arábia Saudita ofereceu uma justificativa (meia-boca) para a proibição: a cena do casal vai contra os padrões de conteúdo de mídia do país.
O casal em questão é entre Alisha Hawthorne (melhor amiga do protagonista) e sua parceira – um beijo lésbico que causa muito mais estardalhaço do que uma guerra, já reparou?
A China, por sua vez, aceitaria exibir o filme caso as cenas de troca de afeto entre mulheres fossem cortadas. A Pixar, é claro, recusou-se (e fez muito bem, ou estaria agora mesmo à beira do cancelamento).
O fato é que essas proibições trazem à tona uma questão caríssima à humanidade: o embate entre cultura e direitos humanos.
Se era, até o tão recente 2020, tradição na Arábia Saudita que mulheres levassem chibatadas em praça pública se não obedecessem ao governo ou se rebelassem contra seus maridos, o resto do mundo deveria assistir à barbárie, calado, porque isso faz parte da tradição do país?
Se em Bangladesh o casamento infantil é parte de uma cultura perversa contra crianças, nós não podemos considerar absurdo que esse seja o país com as maiores taxas de casamento infantil no mundo?
Claro que não. Tradições devem ser respeitadas sim, mas modificadas se necessário. Se ferirem direitos humanos, se oprimirem minorias, se representarem retrocessos, não é problema apenas do país que as impõe, é problema da humanidade como um todo.
Aliás, o que esses países têm em comum? Uma política fortemente associada à religião, que faz com que tradições tornem-se dogmas inquebráveis e regras da própria organização social.
E no Brasil fundamentalista?
Me espanta que Damaris ainda não tenha se levantado contra o “beijo lésbico” após uma reunião com Jesus em uma goiabeira.
Mas não me surpreende que Bacurau tenha sido sutilmente censurado (a partir de uma classificação indicativa imposta pelo governo, e em desacordo com as regras para esse tipo de classificação), ou que o filme de Wagner Moura sobre Marighela tenha sido tão institucionalmente perseguido.
Não me surpreende que Damaris (menino usa azul, menina usa rosa), já tenha inventado que o a Frozen é lésbica (como esquecer?).
Não nos enganemos: nós também vivemos em um país fundamentalista, e, com o avanço vertiginoso do fundamentalismo religioso, estamos a poucos passos de nos tornarmos uma Arábia Saudita, a menos que Bolsonaro seja arrancado da cadeira da presidência – de preferência, no primeiro turno.