Quanto a imprensa mudou nos últimos 100 anos?
A tentação é dizer imediatamente, com entusiasmo barulhento: muito. Houve uma revolução. Houve várias revoluções.
Basta dizer que, fora tudo o que aconteceu com a mídia impressa, apareceram a televisão e depois a internet.
Mas.
Será que a alma mudou mesmo?
Essa reflexão é imperiosa quando você lê uma avaliação de Tolstoi feita no início dos anos 1900. A análise é parte de um ensaio em que Tolstoi diz que Shakespeare, objeto de “adulação universal”, é uma das maiores nulidades literárias da história da humanidade, um impostor mais que um artista. Tratei deste assunto aqui no Diário.
As palavras de Tolstoi sobre a imprensa mereciam ser debatidas nas redações e estudadas nas escolas de jornalismo. No mínimo, fazem pensar.
O que Tolstoi afirma é que, com o “desenvolvimento da imprensa”, qualquer evento pode se tornar um “grande acontecimento” e receber uma cobertura “profundamente inadequada para sua real importância”. Essa cobertura, “frequentemente exagerada até a insanidade”, se mantém até que o assunto seja simplesmente esquecido e trocado por outro.
Tolstoi citou o exemplo do controvertido caso Dreyfus, o militar francês acusado de traição.”Ou porque este capitão em particular fosse judeu, ou por causa de alguma discordância no âmbito interno da sociedade francesa, a imprensa passou a dedicar uma cobertura enorme ao caso. Histórias semelhantes acontecem o tempo todo, sem atrair a intenção de ninguém, nem sequer dos militares franceses, e menos ainda do mundo todo.”
Tolstoi cita uma caricatura da época. Uma família começa a discutir o caso Dreyfus e de repente todos estão brigando. “Pessoas de diversas nacionalidades, que jamais se interessariam em saber se um militar francês era traidor ou não, se dividiram, umas garantindo que Dreyfus era inocente, outras jurando que era culpado. Alguns anos se passaram até que essas pessoas entendessem que não tinham como avaliar a culpa ou inocência, e e que havia para elas assuntos muito mais próximos e importantes do que o caso Dreyfus.”
É verdade que Tolstoi nunca comandou uma redação para ver como é difícil evitar o comportamento de manada, mas mesmo assim, dado este desconto, poucas vezes li palavras tão instigantes sobre meu ofício, o jornalismo.