Por Moisés Mendes
Bolsonaro gostaria de ter sido general, muito mais do que presidente da República. Um general tem perenidade, mesmo depois de deixar a caserna.
Um ex-tenente e ex-presidente medíocre e tutelado por militares vira um traste inútil fora do poder.
A desconexão entre Mourão e Bolsonaro, na cerimônia de sábado na Academia Militar de Agulhas Negras, ajuda a explicar esse recalque.
O general aproxima-se do tenente (foto), no palanque da cerimônia de formação de cadetes, puxa conversa e é ignorado.
Bolsonaro olha de canto de olho, vira o rosto e segue impávido. Mourão teria dito que o chefe deveria ir ao encontro do povo que estava na rua.
Alguns viram Mourão dizer a Bolsonaro, como quem ordenasse um subalterno: “Abre o jogo, pô”.
Que jogo? O que não precisa de tradução é que Mourão aproxima-se de uma figura fragilizada. O outro estava saindo de quase um mês de clausura. Um derrotado consumido pela derrota.
Mourão vai se chegando, impõe sua presença física de general e, mesmo sem querer, acaba por humilhar o tenente em evento público, na frente de outros militares, em cena vista em transmissão ao vivo.
Os dois têm desavenças estruturais agora acentuadas com a possibilidade concreta de Mourão vir a se apropriar de parte do espólio de Bolsonaro na extrema direita.
O tenente parece ter esnobado o vice, ao ignorá-lo, mas a imagem que fica é outra. Mourão estava ali para tutelá-lo e dizer o que ele deveria fazer.
O general agora tem votos. Terá um mandato de oito anos como senador pelo Rio Grande do Sul.
Esse é o recalque de Bolsonaro. Mourão chegou onde está como político por ter sido carregado nos ombros do bolsonarismo. Mas é general.
Sem Bolsonaro, é certo que Mourão, Damares, Tarcísio de Freitas, Eduardo Pazuello, os filhos de Bolsonaro e pelo menos metade da extrema direita no Congresso não seria nada.
Mas eles têm eleitores e alguns terão mandatos pela primeira vez. Terão imunidade e formarão suas turmas no Congresso. E Bolsonaro não terá mais nada.
Quando olha de lado para Mourão, Bolsonaro pode estar pensando que, se fosse general, poderia ter levado o golpe adiante.
É o que abala sua autoestima. Foi um tenente medíocre, indisciplinado e ameaçador, mandado para casa como capitão para não incomodar os chefes da ditadura.
No poder, foi tutelado e protegido pelos generais. Sem Mourão, Heleno, Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos, Bolsonaro não teria sido o que foi. Mas sem Bolsonaro eles não teriam assegurado 6 mil empregos a colegas.
Mais de duas dezenas de generais, almirantes e brigadeiros foram mandados embora do governo por Bolsonaro, muitos a mando dos filhos dele.
Foram expelidos Rêgo Barros, Luiz Carlos Pereira Gomes, Guilherme Theophilo, Décio Brasil, Ilídio Gaspar Filho, Lauro Luís Pires, Maynard Marques de Santa Rosa, Jamil Megid Júnior, João Carlos Corrêa, Santos Cruz, Floriano Peixoto, Severo Ramos, Juarez Cunha, Franklimberg Freitas, Francisco Mamede, Marco Aurélio Vieira, Joaquim Silva e Luna, Edson Pujol, Fernando Azevedo e Silva, Eduardo Camerini, Celestino Todesco, Antonio Franciscangelis Neto, Ricardo Machado Vieira, Antônio Carlos Moretti Bermudez e Alexandre Araújo Mota.
Hoje, Bolsonaro não sabe ao certo o que metade dos generais dispensados fazia no governo. Mas gostaria de ter chegado onde eles chegaram como militares.
O resumo do que Bolsonaro ouviu Mourão dizer foi mais ou menos isso: eu sou general e você é um tenente, pô.
Publicado originalmente em Blog do Moisés Mendes