O segredo do humor universal de Roberto Bolaños, o criador de “Chaves”

Atualizado em 30 de novembro de 2014 às 19:52
Roberto Gómez Bolaños
Roberto Gómez Bolaños

Publicado na CNN México.

 

Nenhum outro mexicano levou sua comédia a tantos países quanto Roberto Bolaños, o Chespirito — escritor, roteirista, diretor, ator e comediante cujo humor podia ser apreciado da mesma forma desde o México até a Argentina, e que morreu este sexta-feira, aos 85 anos, em Cancún.

Mas o que tornava seu trabalho tão universal?

Alguns acham que suas produções eram baseadas em um humor simples que capturava um momento da realidade do México, reproduzido por muitos países latino-americanos. Mas há quem critique o estilo pastelão que sua obra adquiriu ao longo dos anos.

“É um humor sincero e que vem do coração. Não é um humor que está tentando fazer as pessoas rirem simplesmente, mas permite-nos refletir sobre a sociedade e ver o lado positivo. É um humor muito ingênuo  também, o que neste momento é muito difícil de encontrar”, observa Alejandro Herrera, mestre em estudos de arte na Universidad Iberoamericana do México.

Luis Carrasco, professor de Comunicação da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) considera que Chespirito criou uma narrativa inteligente, interpretada por atores “muito talentosos”.

“Definitivamente, os personagens tinham muito carisma. São pessoas que podemos encontrar em qualquer país: no bairro, na escola, na família. Isso ajudou muito para chegar a este sucesso formidável “, acrescenta.

Uma de suas séries mais difundidas em todo o continente era “Chaves”, a história do menino que morava em um bairro típico de meados do século 20 no México, com uma par de famílias disfuncionais vivendo ao redor.

Nessa série, não apenas os mexicanos, mas muitos na América Latina puderam se ver refletidos. Uma criança que vivem em um barril e que vemos como vulnerável faz-nos ver as nossas próprias vulnerabilidades.

No bairro de Chaves estão todos os personagens que podem ser encontradas na vida cotidiana. E parte do sucesso, de alguma forma, estava um pouco na crítica social, na injustiça “, diz Carrasco.

Além de ser a mente por trás desse humor “universal”, Gómez Bolaños teve a capacidade de inovar num momento em que a televisão estava sob intenso escrutínio por parte das autoridades.

“Para entender o humor de Chespirito, é preciso que ele seja colocado num contexto”, diz Cueva. Nos seus programas, ele “teve que lidar com um tipo de humor e um tipo de crítica que não podia ser direta. Nem pensar em questões de natureza política, que hoje podem ser abordadas”. Os personagens de Bolaños “contavam histórias de uma maneira diferente, com todas as limitações que existiam, através do humor. O riso não tinha duplo sentido, não menosprezava ninguém ou era irônico. Mas destacava as peculiaridades de nossa sociedade de uma forma muito sincera”.

Nhonho era gordo, Kiko bobo, Dona Florinda temperamental, Dona Clotilde uma “bruxa”… Bolaños constantemente recorreu a ridicularização, lembra Carrasco.

“Nos seus programas havia bullying. Todo o mundo se divertia às custas dos outros,  todos contra todos, e era muito normal. Chespirito ficou “mais comercial” no que chama de “segunda etapa”, quando passou do Canal 8 para a Televisa. “Ele não apostou mais no diálogo, nas histórias, mas no pastelão, nos insultos, no sarro dos defeitos físicos”, acrescenta.

Herrera acredita que Chespirito usou scripts de “gaveta” ao longo de sua carreira. “A coisa mais importante é que ele tinha um toque muito particular sobre o que funciona com o público, o que ele gosta, e sabia quando a repetir uma piada.”

“Eu acho que é a televisão que devemos ter, porque ele é muito sincero e muito aberto para nos deixar ver as nossas deficiências, as nossas fraquezas, mas faz isso com total respeito. E é isso que nos faz rir “, diz o professor Herrera.

Chespirito definia seu humor com uma frase de Chaves: “Foi sem querer querendo”.