O show do Jair. Por Fernando Brito

Atualizado em 18 de julho de 2022 às 22:23
Bolsonaro em reunião com embaixadores
Foto: Reprodução/ TV Brasil

Publicado originalmente em O Tijolaço

Há um imenso espanto entre os diplomatas que assistem, atônitos, a transmissão ao vivo pela TV Brasil, de uma live arrumadinha de Jair Bolsonaro, a pretexto de uma reunião com embaixadores estrangeiros, na qual repete as “denúncias” de que as eleições de 2014 e de 2018 – que ele venceu – foram fraudadas por “hackers”.

Pois não foi num encontro privado, mas num verdadeiro ato público que se fez a acusação aberta e direta de que três ministros do Tribunal Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal – Luiz Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso e Alexandre de Moraes – são promotores de uma fraude para que se eleja o “seu candidato”que, para o atual presidente, seria Lula. O mesmo Lula que, aliás, votaram para manter preso durante a eleição de 2018.

Bolsonaro acusou, perante a comunidade internacional, a Justiça brasileira de estar controlada por protetores de terroristas (Fachin e Barroso) e advogados de criminosos (Moraes).

De quebra, ainda sobrou para a Ministra Rosa Weber de cumplicidade com hackers que teriam invadido os computadores do TSE (que, aliás, nada têm a ver com a totalização das eleições), por ter favorecido o apagamento de “logs” – assinatura de usuários – pedidos pela Polícia Federal.

É claro que para nada disso apresentou provas e, em qualquer país onde o Legislativo não estivesse controlado por um mandrião como Arthur Lira, estaria Bolsonaro respondendo por crime de responsabilidade, por tamanho ataque ao Judiciário.

Está claro porque Fachin, Luís Fux e outros presidentes de cortes superiores não foram, mesmo convidados, ao show? Como assistiriam, sentados e mudos, eles próprios, integrantes da Suprema Corte do país serem chamados de bandidos e ladrões de votos?

O que Bolsonaro fez, com palavras menos empolgadas, mas mais duras, é pior do que aquilo que fez o brucutu Daniel Silveira.

Disse que quer “paz”, mas acenou com a guerra. Incluiu-se, pela função de chefe, como integrante das Forças Armadas, cuja chefia institucional, é evidente, não o inclui entre os militares.

A questão é: por que um presidente da República faz um lance tão ousado, que o desacredita diante de todo o corpo diplomático acreditado no Brasil – inclusive aos que não foram convidados para seu show?

Penso que busca uma aprovação por omissão de seus planos golpistas, por governos fracos e às voltas com problemas graves de crise mundial e legitimidade interna.

Como demonstrar inconformismo com um golpe que, meses antes, já havia sido delineado por ninguém menos que o chefe do golpismo? Como reclamar de uma intervenção militar que não só foi anunciada previamente como já começou a ser praticada com atos de seus chefes?

De que forma pode isso ser barrado por um Judiciário que gagueja e cujos chefes seguem, até hoje, depois de serem chamados de “canalhas” em praça pública, anunciando que querem “entendimento”? Ou um Ministério Público que, diante do que ele faz repetidamente, dorme seu sono eterno, como aquela múmia dos Pirineus?

Bolsonaro avisou, para quem quiser ouvir que, dependendo dele, vai ter golpe contra o processo eleitoral, que diz que pode ser “corrigido”, ao faltarem apenas 85 dias para que mais de 150 milhões de brasileiros vão às urnas.

Vai ficando claríssimo que algo se fará para, no mínimo, suspender a eleição presidencial. Ou todas, porque a possibilidade de fraude não poderia existir só para esta.

Não há reação possível que não seja a improvável ação da Justiça contra o Presidente da República.

E a nossa, com o nosso voto e o desafio a quem ainda não se convenceu de que é preciso cerrar fileiras na alternativa eleitoral que se impõe e derrotá-lo, deixando para depois a rearrumação dos blocos partidários e ideológicos.