Por Moisés Mendes
Divertiram-se com Damares Alves desde a aparição de Jesus na goiabeira. De lá até aqui, uma militante da fé que descreve aparições prosperou como gestora pública e militante de extrema direita e agora é senadora eleita.
Não há mais como se entreter com o que seria apenas folclórico ou grotesco. Não estamos diante de uma figura equivalente a um Severino Cavalcanti ou a um Antonio Paes de Andrade, o homem de Mombaça. Nunca estivemos.
Damares não se apresentará apenas como um possível ponto esdrúxulo fora da curva no Congresso. Ela, Sergio Moro, Hamilton Mourão e o Astronauta são a curva, com variações próprias.
O Congresso terá de lidar com eles e com a megabancada de extrema direita da Câmara como novo aprendizado. Nunca antes houve nada igual nem imaginável.
Mas é sempre possível indagar-se se algum deles, incluindo o retornado Magno Malta, poderá ser expelido da estrutura que vai acomodando o que seria a multiplicação da anormalidade, mas é ela mesma o ‘normal’.
A velha estrutura já expulsou do sistema Delcídio do Amaral, Demóstenes Torres, Eduardo Cunha e Selma Arruda. Mas poupou Aécio Neves, porque era de outras turmas.
Os muito fracos são expulsos do meio em que não conseguem sobreviver, pelas circunstâncias e por falta de berço e lastro na política e no Judiciário.
É a seleção natural, com participação do Supremo ou do TSE, que não se incomodam e não correm riscos com questões mais complicadas.
Um eleito de extrema direita hoje é mais do que uma complicação. Tem voto, geralmente com proteção religiosa e militar. Mas poderá deixar de ser tão poderoso, se o quase canibal for devolvido ao mundo de Ronnie Lessa.
A nova estrutura, que comeu o centro com banana caturra no primeiro turno, terá de se reorganizar sem Bolsonaro. E poderá, se as instituições reencontrarem a coragem perdida em algum canto, ser convidada a expelir alguém.
A maioria dos chegados na onda extremista pode, pelo talento que têm, ser absorvida pelo sistema que alguns deles tanto combateram ou fingiram combater.
Mas e Damares? Ela já avisou que pretende ser presidente do Senado. Seria a primeira mulher a liderar a casa. A estrutura dirá quais são os riscos envolvidos e talvez não tope tanto atrevimento.
Damares é a caricatura do novo normal. Imprensa, Congresso, Supremo, TSE e instâncias superiores e inferiores das instituições sabem disso, porque trataram o fascismo com condescendência. E o centro engolido pelo bolsonarismo ajudou a criá-lo.
Damares é estrela resplandecente de uma turma que tem metade dos votos dos brasileiros.
Mas talvez seja também o maior problema desse grupo, pelos impulsos moralistas que disseminam fake news invariavelmente associados à repulsa ao sexo. Damares passa dos limites e assusta as crianças e o próprio sistema.
Ninguém imagina que ela possa vir a ser cassada antes de assumir. Mas, sem Bolsonaro, perderá a proteção, mesmo que tenha as imunidades de eleita.
Todos os que tombaram antes, por algum deslize, por serem os mais fracos ao alcance da Justiça e por consentimento dos próprios pares, também tinham votos.
Alguns tiveram vastos e podres poderes que já não valiam mais nada.
Originalmente publicado em BLOG DO MOISÉS MENDES