O Som ao Redor foi escolhido pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro. A seleção dos que concorrerão ainda será definida pela academia.
Mereceu. Muito. O Som ao Redor destoa da produção nacional. Primeiro porque é bom. Segundo, porque não tenta fazer sociologia. Em terceiro lugar, não é derivativo de novelas. É, sobretudo, uma história bem contada, com tensão e clima. O protagonista João vive num condomínio no Recife. A rua pertence a seu avô Francisco, antigo dono de engenho. Por causa de uma onda de roubos, um grupo de seguranças é contratado. O chefe é Clodoaldo. E Clodoaldo tem contas a acertar.
Ok. Existe ali um subtexto nordestino. Mas ninguém fala com sotaque Tieta do Agreste ou passa fome na seca. O diretor Kleber Mendonça Filho gastou R$ 1,8 milhão e levou seis semanas e meia para filmar. Os cenários ficam próximos do apartamento onde ele mora.
Kleber foi crítico de cinema e produziu vídeos nos anos 90. Usava uma camiseta em que se lia “todo cineasta é um crítico frustrado”, uma inversão que causou comoção entre seus amigos diretores. O longa foi eleito um dos 10 melhores filmes do ano passado pelo New York Times. Não é um sucesso de público: cerca de 100 mil pessoas o viram no Brasil. É bem menos do que, por exemplo, Gonzaga de Pai Para Filho ou Faroeste Caboclo. Por sorte, o critério para a escolha não é a bilheteria. Os organizadores tiveram juízo e bom gosto.
Há alguns meses, Mendonça se viu no meio de uma polêmica. Em entrevista para a Folha, disse o seguinte: “Se meu vizinho lançar o vídeo do churrasco dele no esquema da Globo Filmes, ele fará 200 mil espectadores no primeiro final de semana”. O então diretor da Globo Filmes, Carlos Eduardo Rodrigues, ficou mordido. “Desafio o cineasta a produzir e dirigir um filme e fazer 200 mil espectadores com todo apoio da Globo Filmes! Se fizer nada do nosso trabalho será cobrado”.
Mendonça respondeu: “O sistema Globo Filmes faz mal à idéia de cultura no Brasil, atrofia o conceito de diversidade no cinema brasileiro e adestra um público cada vez mais dopado para reagir a um cinema institucional e morto”.
Há algum tempo, alguém deu o nome de “Retomada” a um suposto movimento de renascimento, ou algo que o valha, da nossa produção cinematográfica. É uma balela. É quase tudo meia boca, por motivos diversos. O cinema nacional que enche as salas hoje é feito de caça-níqueis como De Pernas Para o Ar ou E Aí, Comeu? O Som ao Redor não vai salvar o cinema nacional — e nem poderia. Não tem a pretensão de apontar caminhos, nada… Mas o fato de gente talentosa como Kleber Mendonça Filho estar fazendo filmes é uma grande notícia. E, digo sem ufanismo, tomara que consiga a indicação.