POR MURILO MATIAS
É raro México e Brasil estrearem seus ciclo políticos no mesmo período dada a diferença dos tempos de mandato dos presidentes e do calendário eleitoral de cada país.
Em 2019 esse encontro temporal do que pode significar o início de novas eras não poderia apontar caminhos mais contrastantes entre cada nação ao observar-se os primeiros dias dos governos do ultradireitista Jair Bolsonaro e de Andrés Manuel López Obrador, líder da esquerda mexicana.
Conheça a partir dos doze tópicos abaixo comparando os chefes de estado e seus governos por que os dois gigantes da América Latina se distanciam muito além dos quatro mil quilômetros que os separam.
Salário mínimo e aposentadorias
Obrador: aumentou o salário mínimo em 16%, um crescimento real de 11% (descontada a inflação), a maior elevação de ganhos à massa assalariada desde pelo menos 1989. Aos aposentados, dobrou o valor dos repasses aos idosos em situação de vulnerabilidade.
Bolsonaro: represou o aumento do salário mínimo previsto no orçamento proporcionando um ganho real de apenas 1% aos trabalhadores. Busca aprovação da reforma da previdência desenhada por sua equipe econômica, a qual sinaliza o corte dos repasses transferidos aos mais pobres na zona rural e urbana, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujo valor pode ser reduzido à metade do que atualmente é pago.
Avaliação do povo
Obrador: os cem dias de governo chegaram com a notícia do otimismo projetado pelo povo mexicano ao vivenciar a nova fase do país. Levantamento do jornal El Financeiro apontou aprovação de 79% para a nova gestão, percentual quase 20% superior em relação à época em que o presidente mexicano assumiu o mandato, quatro meses atrás.
Bolsonaro: até mesmo entre seus eleitores cresce o questionamento sobre a capacidade do presidente liderar a nação. A interferência dos filhos na agenda política, o fraco desempenho econômico e a postura muitas vezes considerada irresponsável e incendiária, cujos exemplos vão da postagem de um vídeo com conteúdo pornográfico em suas redes sociais à exaltação da ditadura militar, fazem com que Bolsonaro, em menos de cem dias à frente do cargo, possua a aprovação de menos da metade dos brasileiros, 34%de acordo com os números divulgados pelo Ibope em 20 de março.
Viagens
Obrador: assumiu o mandato em 1º de dezembro de 2018 e desde então não realizou uma única viagem para fora do México. Dentro do território percorreu diferentes províncias para em contato com a população impulsionar ações com ênfase em projetos sociais. Em Acapulco (litoral) e Sonora (fronteira norte) lançou o programa melhoramento urbano, esteve em São Luis Potosí (centro) para anunciar a instalação de uma das cem unidades de educação superior que prometeu viabilizar. Em Veracruz (região do golfo), Guadalajara (oeste), Guerrero (sul) entregou cartões do Programa Integral de Bem estar a crianças, idosos e pessoas portadoras de deficiência, percurso esse todo contando apenas o mês de março.
Bolsonaro: Suíça, Estados Unidos, Chile, Israel. Em menos de três meses na presidência, o titular ausentou-se por quatro vezes do país – afora o período em que esteve em licença médica. Quando está no Brasil, Bolsonaro concentra suas atividades em Brasília, com passagens por Rio de Janeiro e São Paulo. Nordeste, Norte e Sul são praticamente ignorados ao considerar-se os compromissos oficiais realizados até então.
Gasto pessoal e austeridade
Obrador: diminuiu seu próprio salário de 60 mil reais para 24 mil reais, determinando que nenhum funcionário do governo recebe acima do teto alcançado pelo chefe do executivo. Pôs à venda o luxuoso avião presidencial – junto de outras 60 aeronaves e 70 helicópteros -, limitou as viagens do secretariado e cortou as aposentadorias dos presidentes anteriores.
Bolsonaro: o aumento das despesas do cartão corporativo nos dois primeiros meses em 16% na comparação com o mesmo período dos últimos quatro anos mostra que o governo realmente sairá caro para o país. A maior parte da quantia de mais de um milhão de reais gastos por Bolsonaro são de caráter sigiloso, não sabendo-se portanto para onde foi o dinheiro. Isso sem contar os rendimentos mensais do presidente que giram em torno de R$ 70 mil ao receber R$ 30.934,70 para estar à frente do cargo e acumular ainda a aposentadoria de capitão reformado e ser beneficiário do Instituto de Previdência dos Congressistas.
Soberania
Obrador: além de proteger as riquezas internas e investir no mercado local, o mexicano tenta estabelecer uma relação com o fronteiriço Estados Unidos de maior igualdade pelo menos no terreno das negociações enquanto que por outro lado busca despertar a consciência histórica adormecida entre a maioria dos cidadãos. Recentemente escreveu uma carta à Espanha e ao Papa Francisco solicitando que a Igreja Católica e o governo espanhol se desculpassem pela invasão, colonização e matança de milhões de indígenas. Ainda que a resposta de ambos não tenha sido em acato ao conteúdo, o assunto foi pauta na imprensa e debatido nas ruas.
Bolsonaro: além de vender o patrimônio nacional a empresas e potências estrangeiras entregando setores estratégicos, Bolsonaro não somente esvazia os cofres como debilita a institucionalidade ao dentre outras decisões liberar a entrada de estrangeiros de determinados países sem visto e não exigir contrapartida, visitar um órgão de inteligência de outra potência, no caso a CIA e destacar as belas paisagens tropicais ideal para as férias à platéia de milionários de Davos, projetando a imagem de um país de menor relevância no contexto geopolítico.
Relacionamento com a imprensa e comunicação
Obrador: de segunda a sexta, às sete da manhã o presidente e parte de sua equipe se apresentam para uma entrevista coletiva que reúne a imprensa tradicional e alternativa. Durante uma hora em média são levantadas questões sobre os mais diversos temas de maneira livre pelos jornalistas presentes. Além de responder, Obrador aproveita o espaço para aclarar sobre os passos de sua gestão. Articula um discurso de unidade nacional utilizando larga retórica com pausas e ponderação na maneira de se expressar.
Bolsonaro: critica de forma contumaz veículos de imprensa e profissionais da mídia desqualificando o trabalho desses meios. Prefere comunicar-se pelas redes sociais e seus grupos de whatsapp, instrumentos utilizados durante sua campanha presidencial inclusive com a suspeita de irregularidades na contratação de serviços de envio de mensagens. Toda semana realiza um ao vivo em sua página de menos de meia hora com a presença de algum ministro ou filho, em geral. Nesse reduzido tempo, por frases curtas e às vezes pouco conexas fala sobre os feitos da semana e o que vislumbra para o futuro.
Combate à corrupção
Obrador: de cara seu grupo parlamentar enviou projeto ao Congresso para renunciar ao foro privilegiado, medida que em vias de aprovação será estendida aos funcionários públicos. Também defende leis mais severas relativas a fraudes eleitorais e desvio de verbas.
Bolsonaro: nomeou um ministro da Justiça que tão logo assumiu o posto passou a relativizar a prática do caixa 2 (utilização de dinheiro não contabilizado em campanhas eleitorais) e sugerir mudanças no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que diminuiriam a capacidade do órgão em detectar fraudes e desvios. A administração também avança para reduzir os mecanismos de transparência pública e tem importantes figuras de seu entorno envolto em suspeitas de corrupção, com destaque para as denúncias sobre o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL), cujo patrimônio cresceu exponencialmente nos últimos anos.
Apelidos
Obrador: a linguagem popular é a marca de seu tempo. Por muito tempo Obrador foi chamado de peje (peixe) devido a existência de peixes lagarto em Tabasco, característicos de sua terra natal. Mais tarde a alcunha AMLO derivou das iniciais de Andrés Manuel Lopez Obrador. Recentemente um apêndice foi acrescentado e o líder passou a ser chamado de AMLOVE (fusão de Amlo com amor, em inglês) , em virtude do que seria o abrandamento da radicalidade demonstrada em situações anteriores. Os apelidos são utilizados por apoiadores e críticos a depender da intenção.
Bolsonaro: as formas para se referir ao mandatário brasileiro variam do escárnio à idolatria. No rol de nomes espalhados aparecem expressões criadas pelos indignados como Bolsolixo e Bozonaro, agregando palavras críticas ao nome do presidente enquanto os dedicados veneradores tentam agradar o ídolo com a alcunha de Bolsomito.
Venezuela
Obrador: lidera a nação que está entre as exceções da região ao não alinhar-se automaticamente às decisões dos Estados Unidos. O México continua a reconhecer Nicolas Maduro presidente da Venezuela e sua diplomacia se oferece como possível instância mediadora dos conflitos, destacando sempre a necessidade de que os venezuelanos resolvam suas questões sem interferências externas.
Bolsonaro: embora tenha baixado o tom, não hesita em flertar com perigosas ameaças à Venezuela, inclusive do ponto de vista militar, conforme a linha determinada por Washington. Qualifica o autoproclamado Juan Guaidó como chefe do estado venezuelano e critica violentamente o bolivarianismo e o chavismo, empregando uma retórica de incentivo ao ódio contra as esquerdas.
Mulheres nos ministérios
Obrador: o gabinete paritário havia sido anunciado ainda na campanha eleitoral. São oito ministras e oito ministros. As mulheres estão à frente de secretarias (equivalente a ministérios no Brasil) do Trabalho, Desenvolvimento Social , Economia, Energia, além da pasta de Governação com Olga Cordeiro, a mais importante da administração.
Bolsonaro: Menos de 10% dos primeiro escalão tem a presença feminina.Dentre os 22 postos ministeriais apenas dois são ocupados por mulheres: Tereza Cristina na Agricultura e Damares Alves, na Família, Direitos Humanos e Mulheres.
Resposta a tragédias
Obrador: mais de cem mortos foram registrados em Hidalgo na explosão de um oleoduto clandestino da Petróleos Mexicanos (Pemex) devido à pratica que no país se conhece por huachicoleo, roubo de combustíveis. O governo impulsionou aprovação da lei que tornou mais rígida as penas para quem pratica o crime – de alta periculosidade e largamente dominado por cartéis – resultando na detenção de 600 pessoas, mas nenhuma relacionada ao caso que está sob investigação.
Bolsonaro: mais de duzentos brasileiros morreram em novo crime ocasionado pela Vale, gigante mineradora privatizada na década de 1990. Mesmo diante das denúncias baseadas em documentos que comprovariam o descumprimento de parâmetros legais pela empresa, o presidente da companhia Fábio Schartsmann não foi sancionado criminalmente. Além da atuação frágil no trabalho de investigação para a penalização dos responsáveis, o governo segue defendendo leis menos rígidas de fiscalização ambiental.
Diálogo com o congresso
Obrador: junto a seu partido Movimento de Regeneração Nacional (Morena), com maioria na Senado e Câmara, conseguiu aprovar em poucos meses importantes medidas defendidas em sua plataforma a exemplo da criação da Guarda Nacional, estrutura de seguridade que reunirá exército e policias e a Extinção de Domínio, que torna mais ágil a recuperação pelo estado de bens ilícitos. Ainda em debate estão a revogação da reforma educacional aprovada no governo anterior e rechaçada severamente pelos profissionais de ensino, além da realização de consultas populares regulares sobre temas de interesse da população.
Bolsonaro: constantes atritos entre o chefe do executivo e os parlamentares se repetem semana a semana a ponto de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia advertir “é hora de parar de brincar”, referindo-se a Bolsonaro, o qual a todo momento critica o que classifica como velha política. Devido à desarticulação governista e a questionável qualidade dos projetos protocolados torna-se improvável a aprovação da Reforma da Previdência, principal bandeira oficialista. O pacote anticrime, outra ação elencada nas prioridades, também parece longe de ser apreciado por deputados e senadores.