Corre sem qualquer controle o tempo do encarcerado. A literatura está repleta de reflexões sobre o tempo a ser preenchido pela imposição de disciplinas, horários, de cronogramas rígidos de atividades, para que o prisioneiro só faça o que mandam e quando mandam.
No tempo sem nada para fazer, que seja massacrado pela tentação de inutilidade e de vazio do ócio. O tempo na cadeia aniquila o preso pela rotina que ele não controla.
Lula não era um prisioneiro comum. Tinha uma cela só dele, com algum conforto. Mas viveu ali por 580 dias. Teve, naquelas circunstâncias, o seu tempo da cadeia de que Flavio Koutzii fala em ‘Biografia de um militante revolucionário’ (Libretos), com depoimentos a Benito Schmidt.
Lula teve vida intensa, desde jovem, como sindicalista e depois como político. É um homem de interlocução, articulação e ação política. Teve interlocutores enquanto esteve preso, porque recebia advogados e líderes do PT (além de visitas daqui e estrangeiras), todas as semanas, e conversava com a imprensa.
Mas é claro que o tempo de que desfrutou é lento, pegajoso, se comparado com o que vivia em intensidade em liberdade, mesmo depois de ter deixado o governo.
Na cadeia, Lula tinha o tempo de olhar as paredes – como Flavio descreve no livro, de forma magistral, suas experiências com a solidão –, mas Lula não é um Flavio. Lula é um vulcão, não tem o perfil de quem possa se dedicar a introspeções.
Por isso, o desafio agora é saber como Lula, aos 74 anos, sai do tempo do cárcere e retorna ao tempo das ruas. Lula volta ao tempo da política, das alianças, dos desencontros, do confronto, do desafio de enfrentar Bolsonaro pela primeira vez e de ajustar seu ímpeto à falta de ímpeto desse desalento imobilizado por alguma coisa a ser melhor compreendida.
Lula se submete agora ao incerto tempo do povo pós-golpe, às indecisões da classe média e à pressa dos ódios dos ricos. Pela primeira vez, o tempo de Lula enfrenta o tempo de grupos que nunca estiveram, com o formato que têm hoje e no poder, diante de alguém com o tamanho e a força de Lula.
O bolsonarismo, o milicianismo e o fascismo põem à prova o tempo de Lula depois do cárcere.