O time do Bahia está passando por uma limpa e, com isso, expondo um mundo sujo na relação do jornalismo com a indústria do futebol. O Conselho Deliberativo do clube divulgou documentos mostrando que mais de 800 mil reais foram utilizados em “comunicação”, contemplando uma enorme lista de jornalistas locais, além de emissoras de rádio e TV. O radialista Jailson Barauna, por exemplo, aparece em duas situações. Pela “divulgação e promoção da marca Bahia e despesas com jogos” recebeu R$ 45.300. E mais cerca de R$ 40 mil em “passagens”.
Outro radialista, Edson Marinho, teria recebido R$ 14 mil reais também em passagens, assim como Jéssica Senra, apresentadora do programa “Bahia no Ar”, da TV Record, beneficiada com um valor superior a 9 mil reais. A lista contempla também empresas de prestação de serviços em comunicação, como a Sport Gol, responsável pela veiculação de publicidade na Rádio Itapoan FM e produção de material ilustrativo — pelos quais teria recebido cerca de R$ 180 mil. E até mesmo familiares do ex-presidente Marcelo Guimarães Filho, como o primo e cunhado Helio de Oliveira, que recebeu R$ 112 mil para aluguel de “veículos”.
As contas se referem ao período de 2006 a 2013 em que Marcelo Guimarães Filho presidia o clube — uma gestão polêmica com suspeitas de contratações abusivas, sonegação de impostos e briga com a torcida. O clube acabou sofrendo intervenção e, no ano passado, elegeu, pela primeira vez com a participação dos sócios, o então secretário de Relações Internacionais do Governo do Estado, Fernando Schmidt, que tirou licença para exercer a presidência.
Schmidt promoveu a “transparência” no Bahia e as contas apareceram. “Um dos gastos, pagos pelo Bahia, é com a ‘transmissão de jogos’… ora, me poupem! É função do Bahia pagar pela ‘transmissão de jogos’?”, disse ele.
Os jornalistas envolvidos alegam que os valores são para publicidade, o que não seria ilegal, apenas “antiético”. Além disso, as passagens seriam doadas para a cobertura dos jogos do time. Não parece ser uma conduta “normal” times populares como o Bahia pagar por publicidade em programas de rádio. O mesmo pode-se dizer sobre passagens para jornalistas cobrirem jogos. Muitas instituições fazem esse tipo de oferta, mas dificilmente são clubes. Em geral, envolvem eventos ou torneios de esportes com mídia especializada que nem sempre tem recursos para bancar seus jornalistas em viagens deste tipo. Essa relação promíscua é o velho “jabá” — ou seja, presentes, facilidades ou até mesmo dinheiro oferecidos a jornalistas em troca de matérias publicadas.
No caso das contas do Bahia, os jabás se proliferam de maneira constrangedora. Garrafas de uísque, contas astronômicas em restaurantes e até escândalos de alcova — Jéssica Senra foi citada no relatório de auditoria do clube por ter se hospedado em um quarto duplo com o ex-presidente, no Marriott Hotel, em Copacabana, no Rio de Janeiro. Benedito Lopes, por exemplo, contemplado com R$ 5700 para “despesas com jogos e transmissões” e mais 54 passagens com valor superior a 32 mil reais explicou, em entrevista à mídia local, que se tratava de “acordos comerciais”: “Era o complemento do comercial com o esporte da rádio. Como eu era o setorista, eu ia lá e pegava. Por isso que meu nome físico está ali. Eu tinha que assinar, senão o Bahia não liberava. Se fosse jabá, eu iria assinar recibo com meu nome? Era uma parceria de todos os jogos”.
O futebol é um grande negócio que depende da mídia. Muitos dos programas e coberturas esportivas que você assiste na TV, por exemplo, são pagos regiamente por federações ou empresas promotoras dos eventos. E a relação do Bahia com a mídia não é um caso único. Jornalistas e empresas de jornalismo fazem acordos das mais variadas naturezas. O Bahia, com sua política de transparência, é provavelmente apenas a ponta do iceberg — um exemplo de esforço para limpar a casa antes que ela desabe.