O topless da ex de Camila Pitanga e a violência policial machista no Brasil. Por Nathalí

Atualizado em 1 de fevereiro de 2022 às 14:15
Camila Pitanga e Beatriz Coelho
Camila Pitanga se solidarizou com Beatriz Coelho

A chocante série de tweets compartilhada pela atriz e embaixadora nacional da ONU Mulher Camila Pitanga reacende um debate que nunca deveria ter se apagado: a violência policial contra grupos minoritários no Brasil.

Os tweets denunciam a ação policial repleta de irregularidades na qual a artista plástica Beatriz Coelho, ex-namorada de Camila, foi levada algemada à delegacia por fazer topless em uma praia em Vila Velha (ES). “Minha solidariedade à Bia, que ontem sofreu uma violência policial claramente motivada pelo machismo e homofobia”, escreveu a atriz na legenda.

Enquanto aguardava algemada para ser ouvida na delegacia, Beatriz era observada por um homem sem camisa. Esse é o tamanho do escárnio do Brasil com suas mulheres: enquanto uma mulher lésbica é algemada por mostrar os seios, um homem pode andar desnudo até mesmo em uma delegacia sem qualquer consequência. Nem mesmo as repartições públicas restringem minimamente o corpo masculino.

E esta é apenas a cereja do bolo desse episódio absurdo: a ação policial denunciada pelas artistas é um festival de ilegalidades. Primeiro, como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula Vinculante n. 11, o uso de algemas é permitido somente em caso de resistência à prisão (que não aconteceu nesse caso).

Há um motivo para que esta Súmula tenha sido criada: o fato de as algemas terem sido, por muito tempo, utilizadas sem necessidade alguma, apenas como ferramentas para humilhar e constranger o conduzido. Ou seja: o motivo é a mesma violência policial que vitimou Beatriz.

Aliás, vale lembrar o que é uma súmula e porque ela não pode ser simplesmente inobservada em uma delegacia: uma súmula é uma das fontes do direito, uma síntese da jurisprudência dominante – ou seja, um resumo das decisões anteriores dos Tribunais Superiores. Uma súmula vinculante é aquela que já foi pacificada pelo Supremo, ou seja, adquire força normativa.

Portanto, a inobservância de uma Súmula Vinculante por parte de um delegado de polícia ou de um PM é uma obscenidade jurídica. E não é a única, nesse caso: as mulheres foram conduzidas à delegacia sem o acompanhamento de uma PFEM, não tiveram direito à cópia do termo de liberação (direito inalienável de todo conduzido à delegacia), e foram tratadas com rispidez e ameaças durante toda a abordagem.

A quem surpreende o tratamento hostil e violento da Polícia Militar no Brasil?

A coisa fica pior se você for uma mulher. Ainda pior se for lésbica. E pior à máxima potência se você morar na favela. Nada disso é novidade: é chover no molhado.

O que de fato precisa ser dito é que, no mesmo país em que homens são frequentemente flagrados se masturbando no transporte público, é o topless feminino que é considerado pelo ordenamento jurídico como “ato obsceno”, dando margem legal para que agentes do estado violentem corpos femininos (e, nesse caso, corpos lésbicos).

Em cidades praianas como Vila Velha, onde o caso aconteceu, é comum ver homens andando pelas ruas só de sunga. Eles fazem cooper, se atrevem a entrar em estabelecimentos, agem como se o mundo devesse lidar com suas bolas murchas desenhadas sob sunguinhas ridículas. Agora, entram desnudos até em delegacias.

Se em pleno 2022, no mesmo país em que homens frequentam absolutamente qualquer ambiente com seus mamilos à mostra e podem até mesmo se dar ao luxo de bater punheta pra adolescente no metrô, as mulheres são algemadas pelos pés como criminosas por quererem liberdade para os seus seios, é porque a sociedade brasileira é antiquada e machista, e a Polícia Militar é uma das principais guardiãs desses “valores” tenebrosos.

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Uma violência como esta já seria antiquada e inadmissível há cinquenta anos. Nos anos 70, o topless era um desdobramento comportamental do próprio movimento feminista. A burguesia vanguardista – porque os pobres, você sabe, muitas vezes sequer vão à praia – tirava o biquíni como quem queima o sutiã.

Hoje, tantos anos depois, a hipocrisia do bozoverso e a classe média moralista e cafona ainda não admitem um corpo feminino livre – e podem sempre contar com a violência policial para impedi-lo.

Quem sabe o episódio – no mínimo – constrangedor seja suficiente pra não deixarmos que esse debate se apague novamente. Mamilos femininos não são insultos, não são convites, e as mulheres também sentem calor.

Minha solidariedade a Beatriz Coelho.

Artigo escrito por Nathalí

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