Por Emir Sader
Donald Trump se preparava para um último ano do primeiro mandato de consagração, preparando sua reeleição. Economia crescendo, desemprego diminuindo, oposição sem alternativa, tudo indicava um novo mandato para Trump.
Por analogia, Bolsonaro contava com a reeleição de Trump, abrindo o caminho para o seu futuro. O primeiro ano não havia terminado bem para o governo, com projeções de depressão econômica e desemprego maior ainda.
Mas a pandemia virou tudo de cabeça pro ar. Para começar, a situação econômica e social se degradou rapidamente nos Estados Unidos, dificultando a reeleição de Trump. Sua atitude em relação à pandemia consolidou aquela reviravolta, apontando para o ocaso do fenômeno de governos de ultra direita no mundo.
Ao não se reeleger, Trump fracassou, qualquer que seja o futuro dessa corrente nos Estados Unidos. Foi derrotado não apenas pelas circunstancias inesperadas que teve que enfrentar, mas pela reação, coerente com o negacionismo que caracteriza a essa corrente. Não pode dizer que foi derrotado pela pandemia, mas sim pela reação que ele e os que o seguiram, tiveram em relação à pandemia.
Bolsonaro teve, até aqui, um destino diferente. Contou com o auxilio – até onde sua política econômica neoliberal permitiu – para ganhar apoios, assim com com a quarentena, que interrompeu as manifestações de rejeição a seu governo. Mas no final do ano as nuvens pesadas também passaram a recair sobre seu governo, com a derrota de Trump a iminência de início de um governo norte-americano hostil; com derrotas nas eleições municipais; com atrasos desastrosos na vacinação, cujo desgaste passa a recair sobre seu governo.
A derrota do Trump e a provável derrota do Bolsonaro não significam a desaparição dessa corrente. Seus líderes estarão derrotados, mas sua influencia política e ideológica deve permanecer. As correntes de extrema direita, que antes eram marginais, vieram para ficar no espectro político e ideológico tanto dos Estados Unidos, como do Brasil.
A direita tradicional se esgotou e deixou espaço para a ultra direita. Mas os lideres desta corrente deixaram de ser livra atiradores, críticos radicais das outras alternativas. Deixaram de ser estilingue, para ser vidraças, porque tiveram que governar e fracassar no fundamental, não apenas no que prometeram – nova politica, combate à corrupção -, mas também na retomada do crescimento econômico, na geração de empregos, no combate à pandemia. Tem e podem ser cobrados, confrontando suas palavras com seus governos, desmascarando-os na sua realidade em comparação com seu discurso e suas palavras.
A segunda recessão econômica no século – a primeira a de 2008 – projeta uma estagnação prolongada na economia, que acentuará e estenderá os seus efeitos no plano social. Grande parte da população – pelo menos a metade de cada pais -, sobreviverá de forma precária, com desemprego aberto ou outras formas, um clima propicio para propostas frontalmente anti-neoliberais. Frente à falta de respostas por parte da direita tradicional, a ultra direita sempre aparecerá como alternativa, que esconde a manutenção do modelo neoliberal, buscando deslocar as agendas para outros temas.
Temas da violência, da segurança publica, da insegurança em que vive grande parte da população das grandes cidades, temas de caráter moral, diagnósticos de que nossas sociedades estão à beira do caos – por culpa da esquerda – e que exigem intervenções radicais, levadas a cabo por lideres salvadores. Temas a que a esquerda tem que contrapor versões reais, para poder desarticular esses discursos e recolocar os termos reais das questões.
Em suma, a derrota de Trump, o fracasso também do governo Bolsonaro e sua nova crise, apontam para o esgotamento dos governos da ultra direita. A disputa se dá sobre quem será a alternativa. A direita tradicional não tem nomes de prestígio e projeto que não seja o desmoralizado modelo neoliberal. Cabe à esquerda se lançar, a partir de agora, com o nome do Lula e um projeto de articulação do conjunto das forcas opositoras de esquerda e um programa de reconstrução.