Há alguns meses o caso de babás sem uniforme branco impedidas de acompanhar suas respectivas patroas em clubes da cidade de São Paulo ganhou holofotes. Seria justo ou legal impedir trabalhadoras domésticas de frequentarem espaço social de seus patrões e seus pares por não estarem uniformizadas?
Para refrescar a memória de quem lê esta crônica, uma sócia do Pinheiros considerou “discriminação revoltante” a dificuldade imposta pelo estabelecimento para que a babá de suas filhas, sem uniforme branco, entrasse no recinto.
Para garantir seus direitos (não se sabe se os direitos da babá também), ela entrou com ação no Ministério Público para provar que a prática de exigir trajes brancos das babás, corrente em vários clubes, era discriminatória.
Por estranha coincidência, um conselheiro de um dos clubes arrolados presidiu a sessão de julgamento e arquivou o processo, não sem antes justificar o próprio voto por escrito para evidenciar sua posição e facilitar a vida dos outros julgadores que poderiam apenas acompanhar o voto do relator.
A sócia do clube, determinada, não achou o procedimento tão casual assim e alegou conflito de interesse do conselheiro de clube, a um só tempo juiz de direito na causa em julgamento.
Tenho muita familiaridade com o mundo das trabalhadoras domésticas, do lado delas mesmas, e não pertenço ao grupo socioeconômico e racial que, por definição, acha que elas devem estar uniformizadas com roupas brancas. O grupo que fecha com o argumento do promotor de que “a obrigatoriedade de uniforme para empregadas em clubes é assunto desimportante, pautado pela ditadura do politicamente correto”.
Ora, o tema seria desimportante para quem? Para os patrões e sua representação no mundo da política, do judiciário, da economia, obviamente. Desimportante para aqueles que, como o promotor, utilizam marcadores de classe e hierarquia tácitos, como o uniforme das trabalhadoras domésticas.
Mas por que as babás são obrigadas por suas patroas a vestir branco? Quem convencionou?
Não há uma explicação lógica, mas existe um imaginário compartilhado entre os herdeiros da casa grande de que as empregadas devem ter uma marca (uniforme branco) que defina o lugar social de quem emprega e de quem é empregada.
As babás uniformizadas, quando escutadas a partir do seu lugar de fala, denunciam que as patroas gostam de desfilar seu poder econômico e de mando pelos shoppings (e clubes) também pelo uniforme.
Quando escutadas, porque de maneira geral não o são. Consideram-se apenas as visões como a do promotor, na qual a hierarquia de classe herdada do escravismo grita e abafa outras vozes.
O uniforme branco exigido pelos clubes para as babás é, em síntese, um marcador de ostentação da subalternidade das empregadas para regozijo de pessoas que não vivem sem ter alguém que lhes sirva.