Há institutos que se afirmam na sociedade, ainda que altamente discutíveis e mesmo em tempos em que tudo se discute. Passam ao largo de questionamentos sobre seus méritos e deméritos. Refiro-me aos “vales”, que, no vale-tudo tributário brasileiro, geraram privilégios a uma estreita fatia da sociedade, composta por empresas emissoras e gestora desses instrumentos creditícios, além de intermediários, negociantes paralelos e geraram vícios e vezos que merecem debate.
A ideia da Lei 6.321/1976 era louvável: as empresas poderiam oferecer aos trabalhadores o benefício de refeição subsidiada mediante um quádruplo benefício fiscal. A dedutibilidade desses custos do seu imposto de renda, em dobro. Uma promoção: pague um, deduza dois e economize outros dois tributos: a contribuição para o custeio da Previdência Social e o FGTS. Isso porque aquelas despesas com alimentação dos trabalhadores se excluem do conceito de salário in natura, reduzindo, assim, o custo da folha de pagamentos.
Eis o bom propósito: a alimentação adequada dos trabalhadores, que se reverteria em saúde, disposição, produtividade. E a desoneração fiscal tendo em conta a finalidade benéfica.
O conceito dos vales frutificou. Grandes empresas se instalaram e cresceram à sombra das benesses fiscais e de ganhos de escala que a massa trabalhadora propiciava. Nasceram vales, tickets, vouchers, cheques, cartões e “cartórios”, num mercado altamente oligopolizado.
Em 1985, veio o vale-transporte (Lei 7.418/1985). Em 1990, o vale-alimentação, estendendo as possibilidades para as compras. Mais adiante, vale-combustível, vale-cultura. Há vales para tudo.
Um senão, no entanto, havia desde a origem: não se tratou disso como direito dos trabalhadores, mas como opção empresarial. Não foi concebido como um direito universal e o benefício depende de adesão pela empresa, assegurando necessária intermediação por outra empresa, que se alimenta da alimentação alheia.
Para empresas cuja dedução não convinha, o subsídio do almoço do trabalhador não vinha.
Os Decretos regulamentadores (78.676/1976 e 5/1991) advertiram que a execução inadequada dos programas de alimentação do trabalhador, o desvio ou desvirtuamento de suas finalidades acarretariam a perda do incentivo fiscal com as penalidades cabíveis. Mas não tardou para que a utilização fosse desviada dos propósitos originais, fazendo surgir os vícios e vezos da simulação e dissimulação que caracterizam nossa sociedade.
O mercado notou esses meios de pagamento sem ônus fiscais e que seus portadores contribuíram com apenas 20% do valor de face. No desvão de 80%, satisfeitos pelas empregadoras, há a margem para o lucro dos intermediários, para o desvio de finalidade e então os bons propósitos escorrem nos vícios do sistema. É dizer: quem paga o PAT alimenta quem intermedia o PAT.
O método limita a opção dos trabalhadores, frequentemente conduzidos a pagar mais caro pelos produtos tendo em conta os custos da adesão e gestão do sistema. Ao fim, não assegura o propósito da alimentação sadia. Isso sem contar o mercado paralelo, com trocas de créditos por dinheiro com deságio, o surgimento de bares e restaurantes de fachada que nada cozinham e, hoje, com a popularização das “maquininhas”, qualquer “vale” vale para tudo, de comercio de bens a comércio de drogas. Tudo isso com subsídio do Estado.
Terá valido a pena?
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Luís Carlos Moro é advogado, já foi presidiu a Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo (1998/2000), a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (2000/2002) e a Associação Latino-Americana de Advogados Trabalhistas (2003/2005).