…e contamos o que você vai ver.
Junto com as primeiras palavras proferidas pelo coral, o sol nasce e os animais entram pela plateia. Um elefante de tamanho natural desce a rampa com um elefantinho que vem com tromba enrolada em seu rabo. A espetacular atriz e cantora sul africana Phindile Mkhize faz seu primeiro número na pele de Rafiki e levanta um boneco – Simba, o próprio Rei Leão.
Digo isso para contar que ontem estive no Teatro Renault (antigo Teatro Abril) para assistir ao último ensaio do musical antes das pré-estreias. Comigo, havia aproximadamente 400 outros convidados do elenco e da produção.
A peça conta exatamente a mesma história do filme (para quem não viu, é basicamente sobre a relação do jovem príncipe Simba com seu pai, Mufasa, e, posteriormente, com sua memória), e traz um novo padrão para os musicais no Brasil. Não significa que seja o melhor, mas é a produção mais ambiciosa que já pisou no país.
A sequência de surpresas é grande no começo, com uma série de elementos de cenário, luz, figurino e maquiagem que, paradoxalmente, poderiam estar num circo, num teatro de vanguarda ou até numa performance no centro de São Paulo. Mas um estranhamento positivo aparece quando um leão não entra vestido de leão, mas com alguns elementos (e nem são muitos) que o transformam na interface humana de um leão.
Esse mérito é da Julie Taymor, diretora americana que sentava-se na plateia e aplaudiu o show em pé ao final. Julie foi a primeira mulher a ganhar o Tony Awards por direção, exatamente por esta peça. Entre seus créditos, estão o musical Homem Aranha e os filmes Frida e Across The Universe. Mas sua grande sacada, neste caso, não me pareceu estar na direção, mas no figurino e nas alegorias, que são extremamente representativas embora minimalistas.
Por exemplo, um leão normalmente é representado como o do Mágico de Oz – a roupa felpuda, a juba, a maquiagem. Aqui é com uma máscara de madeira (que nem cobre o rosto do ator, mas fica colocado como um chapéu).
Como já mencionei, outra linguagem que Julie claramente usou foi a do circo. A girafa, por exemplo, é um cara com pernas (e braços) de pau fantasiado. Os pássaros também são uma espécie de malabares (um tipo de pipa presa numa vara).
O cenário e a luz também são grandes elementos da peça. A “mágica” do aparecimento do rosto do Mufasa no céu é feita através da iluminação, e de forma brilhante. O nascer do sol, citado ali no começo, também é um grande momento do show.
As letras das músicas mudaram. Gilberto Gil fez as novas versões. E essa será uma grande polêmica sobre o musical (já foi ontem entre os espectadores sem nem ter estreado). “O que eu quero mais é ser rei” se tornou “eu mal posso esperar pra ser rei”, por exemplo. “Ciclo sem fim” virou “ciclo da vida”. “Esta noite o amor chegou” virou “dá pra ver o amor aqui”.
Ficou melhor? Em termos gerais, me parece que sim. Ganhou acuidade no sentido da história. Eu faria a mudança se fosse produtor? Se não há problemas legais em usar a letra antiga, não. Primeiro porque as pessoas estão acostumadas com as originais (dá para imaginar Paul McCartney mudando a letra de Blackbird nos shows?) E segundo que, bem, já estava pronto – e estava bom.
A escolha por Gilberto Gil (de quem não questiono a qualidade artística) me parece muito mais de mercado do que de melhora de fato no espetáculo. Letra do Gil é notícia. Como seria se, por exemplo, o Antônio Fagundes fizesse o Mufasa. Mas é um subterfúgio tolo, posto que O Rei Leão é notícia sozinho.
Algumas músicas foram incluídas no show. “Tico Tico No Fubá” ficou engraçadinha no trecho em que o Timão e o Pumba dão uma de isca. Os dois, aliás, são ótimos. Outras três músicas de Elton John e Tim Rice, autores da trilha original, foram incluídas, além de trechos escritos por Lebo M, Mancina Mark, Rifkin Jay, Hanz Zimmer e da própria Julie Taymor.
Entre os atores, é de muito longe que a já citada Phindile Mkhize é o grande destaque. Além de não errar nenhuma nota, nenhuma colocação – e olha que tinha trechos graves para sua voz – ela é a melhor atriz mesmo sem saber falar português. Entre os brasileiros, o melhor (ao menos no ensaio) foi Osvaldo Mil, no papel de Scar. Mas deu pra notar que Tiago Barbosa (Simba), Josi Lopes (Nala) e mesmo as crianças têm voz para se destacar.
O musical é um grande espetáculo de soluções visuais, que estimula a imaginação. Deve passar um bom tempo “alugando” o teatro – o que é ótimo para o mercado brasileiro.