Organizações internacionais denunciam MPF por denúncia abusiva contra Glenn Greenwald

Atualizado em 9 de setembro de 2020 às 16:52
Glenn Greenwald (Evaristo Sá/AFP)

PUBLICADO NO FREEDOM OF PRESS FOUNDATION

Em uma carta aberta hoje, mais de 40 grupos de liberdade de imprensa e liberdades civis condenaram veementemente as acusações de “cibercrime” contra a jornalista vencedora do Prêmio Pulitzer Glenn Greenwald e exigiram que as autoridades brasileiras as renunciassem imediatamente.

A carta foi organizada pela Fundação Liberdade de Imprensa e Repórteres Sem Fronteiras e inclui membros proeminentes das organizações de direitos humanos, liberdades civis e liberdade de imprensa do Brasil e do mundo. O Comitê para a Proteção de Jornalistas, ACLU, Human Rights Watch, Comitê de Repórteres pela Liberdade de Imprensa, Electronic Frontier Foundation e muitos outros se uniram para protestar contra as ações ultrajantes do governo brasileiro.

“Essas acusações representam uma tentativa direta de intimidar e retaliar contra Greenwald e The Intercept Brasil por seus relatórios críticos”, afirma a coalizão. As implicações das ações do Brasil vão muito além de Greenwald e outros jornalistas do The Intercept Brasil. A ameaça à imprensa livre do Brasil, incluindo a mídia nacional e internacional, é profunda:

Essas acusações aguardam a aprovação de um juiz federal, dando aos tribunais a oportunidade de rejeitá-las e proteger a liberdade de imprensa. Mesmo assim, o efeito assustador dessa intimidação legal permanece. Se essas táticas forem mantidas, comprometeria a liberdade de expressão de todos os brasileiros, a liberdade de imprensa e a liberdade de participar da democracia.

A carta completa, em inglês e português, foi enviada diretamente aos principais funcionários públicos do Brasil e está incorporada abaixo.

Carta aberta às autoridades brasileiras sobre a denúncia do MPF contra o jornalista Glenn Greenwald

Presidente da República, Jair Bolsonaro

Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia

Presidente do Senado, David Samuel Alcolumbre Tobelem

Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Antonio Dias Toffoli

Procurador Geral da República, Antônio Augusto Brandão de Aras

Corregedora Geral do Ministério Público Federal, Elizeta Maria de Paiva Ramos

Procuradora Federal dos Direitos dos Cidadãos, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira

As organizações signatárias, defensoras da liberdade de imprensa e dos direitos civis, condenam enfaticamente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra o renomado jornalista investigativo Glenn Greenwald.

Estas representam uma clara tentativa de intimidação e retaliação contra Glenn Greenwald e o The Intercept Brasil, em decorrência da publicação de uma série de reportagens com base em mensagens que aparentam indicar a colaboração entre um procurador e o juiz responsável por julgar os crimes identificados pela força-tarefa da Operação Lava Jato.

Ao acusar Glenn Greenwald de ter cometido crimes digitais, o Ministério Público Federal (MPF) essencialmente criminaliza práticas legítimas relativasao exercício jornalístico, inibindo simultaneamente jornalistas e suas fontes.A denúncia apresentada no dia 21 de janeiro de 2020 pelo Ministério Público Federal (MPF) é apenas o mais recente episódio de uma extensa campanha para perseguir e desacreditar os jornalistas cobrindo o tema.

Eles foram alvo de diversas ameaças desde junho de 2019, quando o The Intercept Brasil começou a reportar sobre o conteúdo das mensagens trocadas por autoridades públicas pelo aplicativo Telegram, obtidas por uma fonte anônima. Uma coalizão de 29 organizações defensoras da liberdade de expressão e dos direitos humanos publicou um chamado internacional em julho de 2019 para denunciar essas ameaças contra os jornalistas do The Intercept Brasil1.

Naquele momento, assim como agora, o alcance desses ataques transcende a figura de Glenn Greenwald e de seus colegas, e impacta a liberdade de imprensa no Brasil como um todo.Os ataques contra Glenn Greenwald e o The Intercept Brasil incluem ameaças de morte, desinformação e um processo criminal.

Vale destacar que uma investigação foi interditada em agosto de 2019, por uma decisão liminar de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), na qual afirma que a iniciativa poderia “configurar inequívoco ato de censura”, em violação da Constituição Federal2.1RSF Launches International Appeal for Support for The Intercept Brasil’s Staff: Reporters without Borders.” RSF, 31 Jul. 2019, https://rsf.org/en/news/rsf-launches-international-appeal-support-intercept-brasils-staff.2Timm, Trevor. “Brazil Supreme Court Minister Rules to Protect Press Freedom for Glenn Greenwald and The Intercept.” The Intercept, 8 Aug. 2019, https://theintercept.com/2019/08/08/brazil-supreme-court-glenn-greenwald/.

O direito de jornalistas reportarem com base em fontes primárias que evidenciam irregularidades cometidas por autoridades públicas é um aspecto crucial da liberdade de imprensa. O Ministério Público Federal (MPF) abusou do seu poder ao acusar GlennGreenwald de exercer essa atividade – apesar da conclusão da Polícia Federal publicada em um relatório em dezembro de 2019, afirmando não haver evidências de que o jornalista tenha cometido qualquer tipo de crime relacionado ao vazamento das mensagens.

Considerando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e as conclusões apresentadas pela Polícia Federal, a presente denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) de que Glenn Greenwald teria conspirado com sua fonte anônima é injustificável.A denúncia será analisada por um juiz federal, dando uma oportunidade ao judiciário derejeitá-la e assim assegurar a liberdade de imprensa.

Ainda assim, o efeito dissuasivo que gera esse tipo de intimidação permanece. Ao se permitir que essa estratégia prevaleça, se coloca em risco a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e a liberdade de participação democrática.

Atenciosamente,Freedom of the Press Foundation

*Reporters Without Borders

Access Now

Agência Pública

American Civil Liberties Union

ARTICLE 19 Brazil and South America

Asociación por los Derechos CivilesAssociation for Progressive Communications (APC)

Brave New Films

Brazilian Association of Investigative Journalism (Abraji)

CODEPINKColumbia Journalism ReviewCommittee to Protect Journalists

Cooperativa Tierra ComúnDemand ProgressDerechos Digitales Doc Society

Electronic Frontier Foundation (EFF)

ExposeFactsFundación Acceso (Costa Rica)

Fundación Ciudadania InteligenteFundación Datos Protegidos (Chile)

Fundación KarismaFundación Huaira (Ecuador)

Fundación Vía LibreGuardian News & MediaHuman Rights Watch

IFEXIFEX-ALCIPANDETEC Centroaméric

aInstituto Vladimir Herzog

International Press Institute

IntervozesNational Federation of Brazilian Journalists (FENAJ)

NewscoopPen InternationalReporters Committee for Freedom of the PressRoots

ActionSursiendo CCDTEDICUbunteam CommunityUsuarios DigitalesWorld

Association of News PublishersWitness3Valeda, Raphael. “Spoofing: PF Buscou Crimes Em Conduta De Glenn, Mas Não Encontrou.” Metrópoles, 20 Dec. 2019, https://www.metropoles.com/brasil/justica/spoofing-pf-buscou-crimes-em-conduta-de-glenn-mas-nao-encontrou