Convencionou-se dar a todo governo que inicia sua gestão 100 dias para que só então se possa ter uma ideia de sua consistência frente aos inúmeros desafios que se apresentam nas mais diferentes áreas.
Ainda que se possa questionar se esse tempo é ou não justo para a tarefa de se definir um governo e, pior, prever sucessos ou fracassos, o fato é que essa faixa de tempo acabou por se tornar a fronteira em que se separa a condescendência alheia para quem ainda está se inteirando de sua situação em meio à realidade que o cerca e as críticas que se sucedem no dia imediatamente posterior por sua eventual fraqueza ou inépcia.
Pois bem! Se nos permitirmos transportar essa premissa que recai sobre todo um governo para um simples indivíduo, é dada a hora de avaliarmos a envergadura moral de um sujeito como o ex-ministro da justiça de Jair Bolsonaro e ex-secretário de segurança pública do Distrito Federal, o agora encarcerado Anderson Torres.
Desde 14/01/2023, dia em que foi preso ao desembarcar do avião que o trazia dos Estados Unidos até hoje, 24/04/2023, data que deveria prestar novo depoimento à PF, mas adiado por uma grave piora de suas condições de saúde, se passaram, vejam só, exatos 100 dias.
Depressivo, apático, famélico e choroso, nada do atual Torres faz lembrar do outrora homem forte dos governos bolsonaristas em que se fez eminência pública.
Esse estado lamentável de espírito, todavia – verdade seja dita – possui bastante razão de ser. Se sentindo abandonado e ciente de sua condição perante a justiça brasileira, o horizonte que se desenha à sua frente é nebuloso.
Absolutamente nada o leva a crer que, em se fazendo de fato justiça, seu destino seja outro que não a sua permanência ininterrupta por anos e anos a fio em condições prisionais ainda piores do que já vivencia hoje.
Desesperar-se, portanto, é ato contínuo até compreensível para alguém que sabe muito bem o que fez e sabe muito bem o que terá que arcar.
O que nos leva a uma comparação inevitável.
Não houve um só dia de todos os 580 em que Lula passou ilegalmente preso numa sala da Polícia Federal de Curitiba que o então ex-presidente não tivesse a plena certeza de que, em se fazendo justiça, sairia dali como o inocente que é, e com a cabeça erguida na exata postura que sua mãe, dona Lindu, jamais permitiu que baixasse.
Os 100 dias de Anderson Torres, ainda que muito longe dos 580 dias de Lula, já mostram o abismo que separa duas personalidades marcadas a ferro pela consciência plena de seus atos.
Torres chora porque sabe que é culpado.
Lula, posto sob provações muito mais intensas como as mortes de seu irmão e seu neto enquanto esteve ilegalmente preso, resistiu com dignidade e altivez porque sabia que, não importava o que fizessem, ninguém lhe subtrairia a inocência sobre aquilo que lhe era imputado.
Por isso mesmo, não precisou a Lula um único dia para saber que uma vez livre, se tornaria pela terceira vez presidente da república.
Já Anderson Torres, passados os seus 100 dias de prisão, a única certeza que possui é que sua cada vez mais próxima condenação, e todo o sofrimento dela decorrente, só tornarão os muitos outros dias que se seguirão, motivos de ainda mais choro e vergonha.
Dignos, diga-se de passagem, do criminoso covarde no qual se transformou.