Originalmente publicado em BLOG DO MOISÉS MENDES
Por Moisés Mendes
Não tenha medo dos adjetivos. Foi o que aprendi com alguns de meus mestres no jornalismo. Com outros, fora dos jornais, aprendi a não temer as cores, por mais estranhas que pareçam.
Não há maus adjetivos nem cores desprezíveis, mas o uso inadequado de uns e de outras. Sobre adjetivos, o que mais ouvi nas redações foi: economize o que for possível, para não gastá-los em gente, coisas e horas erradas.
Há adjetivos que nunca usei na vida, porque ainda espero o momento certo. Assim como alguns verbos e uns poucos substantivos.
Ontem, uma das notícias de maior repercussão no Brasil envolvia quatro adjetivos. Os quatro foram desferidos por Pedro Bial na direção de Bolsonaro.
Bolsonaro foi chamado de delirante, acéfalo, desgovernante e inominável. Parecem fortes, mas não são mais, no contexto do bolsonarismo adjetivado. Seriam se usados para atingir outra pessoa. Nada mais fere Bolsonaro.
Bolsonaro já foi bombardeado com todos os adjetivos depreciativos. Meu amigo professor Francisco Marshal fez uma lista de dezenas de palavras desqualificadoras usadas para definir Bolsonaro.
Pedro Bial chegou atrasado. As palavras que ele deve ter selecionado com cuidado não incomodam Bolsonaro. As redes sociais gostaram, porque é mais uma figura pop arrependida atirando no sujeito.
Acho que fascista, por exemplo, no caso de Bolsonaro, é muito mais substantivo do que adjetivo. Defendo seu uso, mesmo que seja repetido, exatamente por isso, para que se repita.
Pois Bial decidiu que era hora de gastar quatro adjetivos contra o fascista. É direito dele. Mas não é de adjetivos e de um novo filtro solar que precisamos hoje.
Precisamos de verbos, outra lição do jornalismo que aprendi na lida com os que tiveram tempo para ensinar. Títulos de notícias, principalmente as manchetes no alto das páginas, precisam de verbos.
Verbos que transmitam ação, movimento. Por isso sempre me disseram que o jornalismo diário deve evitar verbos no passado. É preciso pegar o leitor pela ideia de que aquilo tem frescor.
Bial é jornalista, e seus adjetivos são antiverbos. São imobilizadores, são mais do mesmo, quase elogiosos. O Brasil está viciado em adjetivos, por achar que têm alguma consequência como expressão da nossa acomodada revolta.
Atiramos adjetivos todos os dias nas vidraças de Bolsonaro, porque o país perdeu a capacidade de agir. Os editoriais da grande imprensa estão abarrotados de adjetivos. Mas nada acontece.
Levamos os adjetivos ao cansaço. Precisamos de verbos. É disso que o jornalismo precisa. O Brasil precisa de verbos fortes, intensos, incisivos, que inquietem, amedrontem e nos remetam a alguma possibilidade de ação.
Precisamos dos verbos que já foram usados por nós mesmos outras vezes e que são conjugados com intensidade por chilenos, bolivianos, argentinos. Não é de adjetivos que precisamos.
O fim da pandemia poderá nos trazer de volta os verbos que extraviamos. Que cada um encontre e conjugue os verbos que achar que devam ser conjugados.