Os apitos de chefão de Campos Neto para o mercado e a extrema direita. Por Moisés Mendes

Atualizado em 3 de julho de 2024 às 23:04
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Foto: Agência Brasil

Esse trecho a seguir é de um texto publicado em 22 de janeiro de 2003 pelo ex-ministro Delfim Netto, na Folha de S. Paulo. Mesmo que o contexto seja bem diferente, quando se iniciava o primeiro governo Lula, vale a pena ser lido.

“Em primeiro lugar, não é o Banco Central quem determina a política econômica (política fiscal, política cambial, políticas públicas microeconômicas etc.). Ela é fixada pelo governo (como é, aliás, a própria “meta de inflação”). Em segundo lugar, é preciso lembrar que a taxa de câmbio real é uma variável endógena, formada dentro e nas condições do sistema econômico. Ela não pode ser ditada pelo governo e muito menos pelo Banco Central. O desastre cambial de 1995-98 não deve, portanto, ser atribuído à “autonomia do Banco Central”, mas a um lamentável erro de política econômica, sustentado pelo presidente FHC e por seu ministro da Fazenda”.

Delfim tenta livrar a cara do BC, na crise cambial de 1998-1999, mas não é isso o que importa no que ele acentua, ao refletir sobre uma já debatida e prevista “autonomia do Banco Central”.

O que Delfim diz é que um Banco Central não tem o poder de formular, orientar ou fiscalizar uma política econômica. E que a confusão cambial do segundo governo de Fernando Henrique foi resultado de “um lamentável erro de política econômica, sustentado pelo presidente FHC e por seu ministro da Fazenda”. O ministro era Pedro Malan.

Usando a mesma premissa, é possível que alguém, daqui a alguns anos, reflita sobre as culpas do BC de Roberto Campos Neto e da política econômica de Fernando Haddad, num eventual desarranjo da economia daqui pra frente?

A crise cambial de 98-99 resultou em desvalorização do real, fuga de capitais, inflação, endividamento, desalento e esgotamento das reservas. O que Delfim sugere é que aquela não foi apenas uma crise de barbeiragem dos guardiões da moeda.

E essa ’crise’ de hoje? Delfim está afastado das reflexões sobre a economia, mas seria bom ouvi-lo a partir dessa pergunta: por que Campos Neto apresenta-se como contraponto de sensatez à língua solta de Lula sobre juro alto?

Ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto. Foto: Foto: Edilson Dantas/Agência O Globo

Por que, como fez em evento em Portugal, o presidente do BC reflete sobre política econômica, se não é essa sua atribuição? Por que Campos Neto tenta induzir a grande imprensa a ver uma falsa equivalência entre o que ele e diz e o que o presidente da República fala?

Na terça-feira, refletindo esse sentimento de que Campos Neto pode falar e de que Lula deve calar-se, o Estadão estampou essa manchete: “Lula convoca reunião para discutir alta do dólar; moeda sobe sempre que presidente fala”.

Se a moeda sobe, é porque o presidente fala o que não deve falar. Mas Campos Neto, que seria detentor de uma sabedoria que Lula não tem, pode dizer o que quiser em eventos abertos, como o seminário em Portugal, ou em reuniões fechadas com Tarcísio de Freitas, banqueiros e gente da extrema direita.

Campos Neto pode falar em voz alta em Lisboa ou cochichar no jantar de Tarcísio em São Paulo. Porque ele sabe o que fala. É o que dizem os jornais, sem conseguir esconder que estão fragilizando o real, no trigésimo aniversário da moeda.

Pelo que está dado hoje, Lula, que completa nove anos e meio governando, no seu terceiro mandato, é menos confiável como líder, formulador e executor de um programa de governo do que Campos Neto como guardião da moeda e da inflação.

Lido de outro jeito hoje, o artigo de Delfim Neto de 2003 nos ajuda a refletir sobre o que não é declarado, mas está no que seria o cerne da afronta pública de Campos Neto ao poder de um presidente eleito. Será que o presidente do BC se acha no direito de patrulhar a política econômica de Lula, recomendando cortes e arrocho?

Leiam o que Campos Neto disse em Portugal e está em todos os jornais. O presidente do BC afirmou que “tentar impulsionar crescimento através de intervenção do governo” e “com investimento público” é condenável porque pode fazer com que o país entre em um ciclo vicioso que leva à ineficiência.

É o presidente do BC falando como alguém do meio acadêmico ou um palpiteiro, como se fosse isento e distante para apresentar suas ideias liberais e condenar a intervenção do Estado na economia e até na área social:

“Esse ciclo vicioso se deu em alguns países da seguinte forma. Você tem a inflação maior, que gera desigualdade maior. O governo, para contra-atacar isso, faz mais programas sociais. E aí você entra nessa espiral de mais programas sociais, mais gastos, mais inflação”.

Pode o presidente do BC dizer, em recados a Lula e a Haddad, qual deveria ser o tamanho ideal do Estado, suas funções e os limites da sua intervenção até mesmo na área social? Não pode.

Campos Neto fala para o mercado e para seus amigos do bolsonarismo para vender a ideia de que tem mais poder do que Lula, porque pode sabotar o governo para garantir o pedaço do mercado. Com seus apitos de chefão, é um blefe que funciona para a Faria Lima e tumultua a economia.

Mas o amigo de Tarcísio de Freitas não tem, como já ensinava Delfim, nenhuma autoridade sobre política econômica. Campos Neto só pode falar dirigindo-se a Lula como disseminador de terror.

Publicado originalmente no “Blog do Moisés Mendes”

Chegamos ao Blue Sky, clique neste link
Siga nossa nova conta no X, clique neste link
Participe de nosso canal no WhatsApp, clique neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link