Londres festeja seus artistas revolucionários da segunda metade do século 19: os pré-rafaelitas. Uma grande exposição está em curso na Tate Britain, um dos principais museus de Londres.
Claro que vou.
Se não bastasse tudo, minha caçula Camila é o ideal pré-rafaelita com seus cabelos longos, rebeldes e vermelhos. Vejo os quadros e neles enxergo Camila.
Eram quatro jovens amigos incomodados com a esterilidade envelhecida da arte inglesa, e ávidos por inovar. Eles só deslancharam quando encontraram, em 1848, apogeu da Rainha Vitória, a modelo ideal para as obras que pretendiam fazer: Liz Siddal, escolhida exatamente por ser ruiva.
Liz foi a primeira supermodelo inglesa. Mas naqueles dias isso, financeiramente, não significava nada. E o trabalho se dava em condições precárias.
A obra-prima pré-rafaelita é Ofélia, do mais talentoso dos quatro companheiros, John Everett Millais. Como tantas coisas do grupo, era a reprodução de uma cena de Shakespeare. Ofélia é uma personagem de Hamlet, e na pintura de Millais está cantando antes de se afogar, num rio da Dinamarca.
Liz quase morreu ao posar para este quadro. Millais usou uma banheira para reproduzir as águas, e o aquecimento não foi suficiente para enfrentar o inverno londrino. Liz apanhou uma pneumonia, e jamais chegou a se recuperar inteiramente.
Se Millais era o prodígio da turma, Dante Gabriel Rossetti era o cérebro por trás dos pré-rafaelitas. Gabriel, como ele era chamado, acabou se apaixonando por Liz, e disso resultou um casamento desastroso.
Foi Gabriel quem escolheu a palavra “pré-rafaelitas”. A mensagem ali era que a arte se perdera depois de Rafael. Passara a ser frívola, rebuscada, vazia.
Os pré-rafaelitas surgiram na mesma época em que, do outro lado do Canal da Mancha, jovens artistas – Manet, Monet etc — também se insurgiam contra o modelo tradicional. Eles acabaram adotando o nome de “impressionistas” por causa de um quadro de Monet chamado “Impressões-Nascer do Sol”.
O impacto deles na história da arte foi muito maior que o provocado pelos pré-rafaelitas. Por uma razão básica: a ruptura dos impressionistas com as regras vigentes foi muito mais profunda.
Os jovens ingleses olharam para o passado, para antes de Rafael. Os renovadores franceses inventaram o futuro.
O contraste entre os pré-rafaelitas e os impressionistas é um retrato das diferenças entre ingleses e franceses. Os ingleses são muito mais conservadores.
Tudo bem, a Inglaterra decapitou um rei primeiro, Carlos I. Mas depois acabou devolvendo a coroa a seu filho, Carlos II, um libertino imprestável.
Os revolucionários franceses foram muito adiante. O mundo moderno começou na derrubada da Bastilha, a prisão de Paris, em julho de 1789.
Só os revolucionários franceses, com seu radicalismo transformador e muitas vezes cruelmente sangrento, poderiam inventar a utopia da liberdade, igualdade e fraternidade.
Da mesma forma, só os artistas franceses poderiam executar, em meados do século 19, a transgressão com que sonharam os pré-rafaelitas – que jamais tiveram força, coragem e visão para destruir, como os impressionistas, o ambiente conservador que os cercava.