Em 2012, convidado pela Comissão da Verdade da Câmara Municipal, o fotógrafo Silvaldo Leung Veira voou de Los Angeles (EUA), onde morava, para São Paulo. Objetivo: visitar o local que abrigou o DOI-Codi, na rua Tutoia, região do Ibirapuera.
Silvaldo é autor da famosa foto do “suicídio” do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do prédio.
Declarou que a imagem foi mais uma das farsas perpetradas pelos generais da ditadura.
Contou que na época, aos 22 anos, era aluno do curso de fotografia da Polícia Civil e não entendeu o motivo de ter sido chamado para registrar o corpo do jornalista pendurado por uma corda no pescoço.
Veiculada por jornais e revistas da época, a imagem corroborou a tese de que o “suicídio” de Herzog era uma farsa.
“Ainda carrego um triste sentimento de ter sido usado para montar essas mentiras”, afirmou o fotógrafo, em documentos que estão registrados em poder da Comissão. “Disseram apenas que era um trabalho sigiloso e que eu não deveria contar para ninguém”.
Nesta terça, 30, o filho de Vladimir, Ivo Herzog, usou as redes sociais para comentar a mentira contada por Bolsonaro para justificar o desaparecimento e morte de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz – segundo o presidente, Fernando foi “justiçado” por seus pares.
“Ele age como se o país fosse o quintal da sua casa e, a população, seus amigos embriagados, dementes!”, escreveu Ivo Herzog.
Basta olhar para a imagem imortalizada por Silvaldo Leung para notar o descaso do plano para “vender” o suicídio de Herzog. Nela, o jornalista aparece morto, com uma corda no pescoço amarrada na grade da janela e com os pés e pernas dobrados sobre o chão.
Em que pese a dor da perda, sua família ao menos teve um consolo: conseguiu sepultar o corpo, sabendo que apesar de toda brutalidade ele enfim iria poder descansar em paz.
Felipe, filho de Fernando Santa Cruz, não teve a mesma sorte, assim como o escritor Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado Rubens Paiva também desaparecido.
Ambos, Marcelo e Felipe, são vítimas do capitão reformado.
“Bolsonaro é um doente”, escreveu Marcelo Rubens Paiva. “Já disse que a esquerda matou meu pai, pois ele entregou Lamarca na tortura”.
Agora o capitão virou a metralhadora para o presidente da OAB, também alegando que o pai dele foi morto por grupos de esquerda. “Isenta os militares da tortura e ainda humilha a vítima assassinada”, diz Marcelo.
O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por cometer crimes de lesa à humanidade durante a ditadura militar.
Seria demais esperar um mea-culpa, embora nem o mais ortodoxo dos generais tenha ousado descer tão baixo quanto Bolsonaro.
O ministro Marco Aurélio Mello do Supremo Tribunal Federal disse que está preocupado. “Tempos estranhos. Aonde vamos parar?”, perguntou, antes de dar uma sugestão: “Talvez seja o caso de criar um aparelho de mordaça para o presidente”.
Por onde se olha o sentimento é de surpresa diante de tanto desamor.
Mas o pior nem é isso: é a constatação de que o presidente não dá sinais de que pode retroceder na sua tática – ao contrário, a se considerar as evidências, a situação tende a recrudescer.
O estilo de radicalização nas declarações faz parte de uma estratégia pensada, segundo a Folha, pela nova equipe de comunicação do presidente, sob o comando de Fabio Wajngarten, indicado ao pai por Carlos Bolsonaro.
Bolsonaro ascendeu ao poder numa combinação explosiva de crise política e institucional e um desejo de setores sociais – notadamente o mercado, as forças armadas e a velha imprensa – de impedir o terceiro mandato de Lula.
Para alcançar esse objetivo, não se mediu esforços, tampouco se teve pudor na agressão a preceitos elementares de justiça e democracia.
Deu no que deu: um país no fundo do poço, com uma sociedade dividida, um sistema de Justiça claramente corrompido e um incendiário no comando.
A farsa da foto de Vladimir Herzog e as mentiras contadas para explicar o sumiço de Fernando Santa Cruz e Rubens Paiva são apenas detalhes.
Vem muito mais por aí: sem guerra os Bolsonaros não funcionam.