Os desafios que o PT, maior partido de esquerda da América Latina, terá de enfrentar. Por Eduardo Maretti

Atualizado em 8 de fevereiro de 2020 às 13:18
Os petistas Fernando Haddad, Lula e Gleisi Hoffmann (da esq. para a direita) durante congresso do partido neste final de semana, em São Paulo
Imagem: Reprodução/Facebook PT

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POR EDUARDO MARETTI

Fundado em 10 de fevereiro de 1980, o PT comemora 40 anos na próxima segunda-feira (10). Hoje, com 53 deputados na Câmara Federal, a maior bancada junto com o PSL, continua sendo o mais importante partido de esquerda da América Latina, com cerca de 2 milhões de filiados. A legenda comemora as quatro décadas de existência com o Festival PT 40 anos, no Rio de Janeiro, entre esta sexta-feira (7) e domingo (9). Neste sábado, serão realizados debates e shows na Fundição Progresso (na Lapa, região central do Rio de Janeiro). Para as 18h, está programado o esperado diálogo entre os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e o uruguaio Pepe Mujica.

O partido completa 40 anos com importantes desafios pela frente. Um deles é como se posicionar num cenário histórico em que o trabalho já não é mais baseado nos parâmetros do século 20, observa o economista Marcio Pochmann.

“A centralidade do trabalho mudou. Há hoje um descompasso entre a antiga representação do trabalhador da indústria, da  agricultura, da construção civil, o trabalho material, para uma nova centralidade, os serviços, que é um trabalho imaterial.” Com as inovações tecnológicas e das comunicações, grande parte dos trabalhadores não depende de um lugar determinado, como a fábrica, para exercer suas funções.

O trabalhador que antigamente era metalúrgico ou químico, por exemplo, tinha uma relação de “pertencimento” com sua atividade, e a organização em torno de um sindicato e de um partido era natural. Hoje, o que as pessoas fazem (Uber e telemarketing, por exemplo) “não lhes dá identidade”, analisa Pochmann. “Sindicatos, partidos e entidades continuam a ser importantes, mas para continuar a ser importantes precisam mudar a forma de atuar e de se organizar”, diz.

“Estamos diante de uma nova realidade e, diante dela, o PT precisa se reinventar, na forma de organização, de relacionamento. O PT tem uma base multidimensional e essa base é que precisa ser requalificada, no meu modo de ver, numa nova mentalidade sobre trabalho e serviços. Isso não significa jogar fora seu legado como principal partido de esquerda da América Latina. Mas é preciso se atualizar,  olhar para a frente”, aponta o economista.

Outro desafio é enfrentar o antipetismo instaurado na sociedade a partir do mensalão e, principalmente, da operação Lava Jato, que, segundo a psicanalista Maria Rita Kehl, “serve para criar uma indignação moral no lugar da política”.

Para o ex-deputado federal  Wadih Damous, o antipetismo tem de ser enfrentado “com movimento de massas, de cabeça erguida, sem medo”. “A impressão que eu tenho é que o PT não está fazendo a oposição que poderia fazer ao governo Bolsonaro. Uma oposição radicalizando a democracia, radicalizando e polarizando”, diz.

“As poucas vozes que se ouvem do partido são no parlamento. O PT tem que ser o indutor da criação de um movimento de massas no Brasil. Sem movimento popular não vamos a lugar nenhum. Estão aí o Chile, Equador, Bolívia, nos dando lições de como proceder”, acrescenta.

“Para resumir – continua Damous –, o PT tem, como tarefa de curto prazo, liderar uma oposição consistente ao governo Bolsonaro, coisa que não está sendo feita, e em longo prazo se preparar para ser um partido sem Lula, porque Lula não é eterno.”

Gleisi e Haddad

Presente na abertura das comemorações no Festival PT 40 anos, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad lembrou, no evento, as origens do partido: o sindicalismo, as comunidades de base, as religiões progressistas e a intelectualidade na academia. “A única coisa que incomoda o andar de cima (a elite) é o PT. É por isso que eles deflagraram uma guerra no país, que não é só contra o PT, é contra a democracia, uma vez que o PT é fruto da redemocratização”, disse.

Haddad comentou que sua história se confunde com a da própria legenda, já que o ex-candidato à presidência da República tinha 17 anos quando da fundação do partido em 1980.

A deputada federal Gleisi Hoffamnn (PR), presidenta do PT, disse no evento que é preciso “comemorar” a caminhada do partido. “Nem sempre ela foi fácil. Às vezes, dolorosa e difícil. Por isso a gente também tem que ter alegria, porque este partido é uma preciosidade na história política brasileira.” Ela acrescentou: “Disseram que iam acabar conosco, que iam nos destruir, que iam nos varrer do mapa. Erraram porque nós estamos aqui de cabeça erguida”.

O deputado federal Enio Verri (PT-PR), líder do partido na Câmara, diz que a legenda participará das eleições municipais com “muito entusiasmo” e terá candidatos, senão em todas, em muitas das principais capitais do país e nas grandes cidades onde há segundo turno. “E vamos estar presentes nos movimentos sociais.”

O PT vive também um momento de debate e críticas internas. O ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro Tarso Genro, em depoimento ao portal UOL nesta sexta-feira (7), afirma que a legenda precisa se modernizar. “Nós temos um discurso e um programa ancorado na época em que o partido foi fundado e ainda agimos como se existisse uma classe trabalhadora nas fábricas que teria potencial hegemônico na sociedade”, disse.

Para Wadih Damous, Tarso “é um quadro histórico do partido, e o que ele falou merece ser lido, refletido, mas não acho que é se afastando da vida partidária que vamos resolver os problemas”. “Há algum tempo ele está afastado da vida partidária. É uma pena que ele tenha tomado essa decisão.”