Os escombros do Museu Nacional são a maquete do Brasil. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 3 de setembro de 2018 às 13:24
Museu Nacional em chamas. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Talvez não existam palavras para descrever as imagens das chamas a consumirem um dos mais importantes museus do país que abrigava nada menos do que dois séculos de nossa história.

De valor simbólico, histórico, cultural e científico incalculável, o que hoje se resume a um amontoado de cinzas reproduz com uma fidedignidade quase que macabra a situação de um Brasil entregue ao mais puro abandono, descaso e deboche.

Relegados à condição de meros almoxarifados, palácios que no mundo inteiro são motivos de orgulho e de identidade nacional, por aqui foram reduzidos ao status de um estorvo burocrático cujas verbas – tidas imoralmente como gastos e não investimentos – não superaram em 2018 sequer o salário de um único e imprestável ministro do STF.

A absolutamente ninguém é permitido estar surpreso com tamanha tragédia. Desde que Michel Temer, num de seus primeiros atos após usurpar a presidência da república, resolveu extinguir o ministério da cultura, foi selado o futuro a que se reservara nossas mais importantes instituições de produção e preservação cultural desse país.

Mas que essa atrocidade tenha acontecido exatamente no início da semana que comemoramos a nossa independência, agrega aquela fina ironia que o só o destino é capaz de confabular.

Chega a assombrar o fato de que o incêndio que destruiu o palácio do Museu Nacional tenha ocorrido após exatos 196 anos em que, nesse mesmo lugar, Maria Leopoldina assinava o decreto da independência do Brasil.

Naquele longínquo 02 de setembro de 1822, a então princesa regente, por conta da ausência de Dom Pedro, dava o primeiro grande ato para deixarmos de ser colônia e passássemos a ser um país livre.

Cinco dias após, às margens do Rio Ipiranga, o imperador que desembainhou sua espada e gritou “Independência ou Morte” dava início simbolicamente à saga de um país continental que depois de tantas tempestades e intempéries, volta melancolicamente a ser colônia.

O que aconteceu com o Museu Nacional não pode, jamais, ser creditado a um terrível acidente do acaso.

Na melhor das hipóteses, trata-se de um capricho e, de certa forma, de uma reverência dos deuses da história a um lugar que dedicou sua existência a preservar e retratar os acontecimentos desse novo mundo.

Pela tristeza, pela desolação, pela ruína e pelos seus escombros, o Museu Nacional cumpre, da forma mais cruel e real possível, o seu dever sagrado de retratar o Brasil tal como ele é.

Ou, pelo menos, como ele está.