A China ainda tem muito que avançar na questão da homossexualidade.
O texto abaixo é uma condensação de um artigo publicado originalmente no site em inglês da revista alemã Der Spiegel.
Enquanto a mulher de Xiao estava no banheiro tomando banho e colocando a maquiagem, o amante de Xiao deslizava debaixo das cobertas na cama do casal. Xiao puxou o homem para perto, abraçou-o e o beijou. Depois de alguns minutos, o amante deslizou novamente para se afastar de Xiao.
Oficialmente, era meramente um empregado do restaurante de Xiao, um pequeno estabelecimento localizado sob o apartamento de Xiao na cidade de Tianjin. Mas na verdade ele era o amante do patrão.
Xiao diz que pensou que sua mulher nunca descobriria o amante secreto. Até que um dia ela lhe disse: “Você parece muito mais feliz quando está sob as cobertas com ele do que comigo”.
Xiao Bin, de 42 anos, é gay e está casado com uma mulher há sete anos. Ele é um homem pequeno e magro, o rosto de pele macia, embora com um bom número de rugas. Ele concordou em contar sua história com a condição de que todos os nomes fossem alterados.
Pesquisadores estimam que há 30 milhões de homens e mulheres gays na China, e que 90% deles mantêm casamentos de conveniência. Alguns têm filhos.
Quando Xiao casou com uma garota bonita e delicada, estava tentando fazer o que a sociedade esperava dele, e agradar a seus pais.
Xiao lembra o dia em que saiu do armário. Ele tinha acabado de romper com uma namorada, e o pai foi a seu quarto para saber o que houvera. Xiao respondeu que não amava a namorada, mas o pai não aceitou a explicação. Quis saber qual era o problema. Xiao nunca parecia se acertar com as namoradas. Eles discutiram e, no fim, Xiao perdeu a paciência.
“Sou gay”, disse Xiao. “Não gosto de mulheres.”
“Não tente encontrar desculpas”, respondeu o pai.
“Nunca toquei nas mãos dela nos quatro anos em que ficamos juntos.”
O pai então gritou: “Fora! Saia da minha casa.”
Xiao pensou que sua família nunca mais iria falar com ele novamente. Ele quis esquecer a raiva do pai, as lágrimas da mãe. Sentiu emoções conflitantes: ira, tristeza, um sentimento de libertação. Ao sair de casa, não pensava voltar mais.
Em muitos países são as pressões religiosas que dificultam a vida dos homossexuais. Na China é a família. Casar e ter filhos, especialmente entre os homens, é uma tarefa essencial. Ao fazer isso, um homem garante o futuro dos pais na velhice – algo que o fraco sistema de proteção social chinês não faz. Por isso, os gays enfrentam o estigma de fracassar em seus deveres perante a família – como se estivessem traindo o pai e a mãe.
Houve momentos em que Xiao gostou da nova liberdade depois de deixar a casa paterna. Frequentou os parques onde homossexuais se reúnem e explorou a cena gay de Pequim. Nunca foi o tipo que procura sexo por uma noite apenas, mas uma vez deixou alguém levá-lo para casa. Doeu, mas ele estava feliz.
Também houve momentos em que Xiao tentou mudar. Por um tempo, trabalhou como pastor em uma igreja. Acreditava que Deus poderia “curar” a ele. Mas encontrou um outro gay em uma missa e se tornaram um casal. Passava os dias no púlpito e as noites nos braços de seu amante, e Xiao se sentia moralmente inferior, como se estivesse manchando o nome de Deus.
Xiao amarrou um elástico ao pulso e o apertava sempre que sentia desejo por homens. Queria ficar viajando para encontrar a si mesmo, mas acabou o dinheiro.
Em seis meses, Xiao teve três parceiros sexuais. Quando voltou para casa, seu pai preparou frutos do mar grelhados para ele. Xiao pensara que os pais nunca mais iriam falar com ele, mas em vez disso lhe foi servida sua comida favorita. O gesto o tocou.
“Posso mudar”, disse aos pais.
Os homossexuais chineses enfrentaram dificuldades adicionais com a Revolução Comunista de 1949. Num certo momento, foram perseguidos, presos e até executados. Sexo entre parceiros do mesmo sexo foi considerado crime na China até 1997, e a homossexualidade uma doença mental até 2001.
Ainda hoje, há pais que tentam apagar a homossexualidade de seus filhos e médicos que “tratam” o desejo homossexual com eletrochoques. E há gays que se matam em desespero.
Quando Xiao casou com uma mulher há sete anos, estava cheio de esperança. Imaginava que com o casamento deixaria de ser gay. O casamento deles foi pragmático desde o início. Xiao vivia num apartamento acima de seu restaurante para estar mais perto do trabalho, alegava. A mulher ficava na casa dos pais. Uma vez por semana dormiam juntos.
Em sete anos de casamento, o casal fez sexo cinco vezes. A mulher poderia ter se queixado. Ela também poderia ter dito algo sobre os vibradores que encontrou uma tarde. Em vez disso, ela os limpou e colocou de volta na prateleira de seu marido, cuidadosamente ordenados por tamanho. O casal nunca trocou uma palavra sobre o assunto.
Há quatro anos, Xiao encontrou um homem pelo qual se apaixonou. Eles se conheceram por causa de um acidente de moto. O homem tinha caído e estava machucado, e Xiao o pegou em seus braços. Logo eles começaram a dormir no quarto de Xiao acima do restaurante. Ambos os homens sonhavam com o dia em que não teriam nada a esconder.
Quando a mulher lhe disse que ele parecia mais feliz na companhia de um homem do que na dela, ele pensou que ela iria deixá-lo. Sentiu-se aliviado. Mas ela disse: “Você não é gay, você é emocionalmente imaturo. Espere que um dia você vai estar pronto para nós.”
Xiao pensou em como a família reagiria a um divórcio. Na China, as mulheres divorciadas são marginalizadas, e raramente conseguem encontrar um novo marido. Elas correm o risco de envelhecer sozinhas e terminar pobres. “Você pode dormir com homens se quiser”, a mulher ofereceu.
Ele não teve coragem para acabar com o casamento. Logo depois, a mulher manifestou desejo de ter um bebê. Por causa dela, Xiao foi a uma clínica para descobrir a possibilidade de inseminação artificial. Mas depois pensou na hipótese da separação. O que vai acontecer com a criança? Decidiu contra ter um bebê.
Apenas algumas semanas depois, Xiao descobriu que tinha AIDS. Seu primeiro pensamento foi para a mulher. E se a tivesse infectado?
Felizmente, a mulher não foi contagiada. Ela ainda vai uma vez por semana ao restaurante de Xiao: sobe as escadas, fecha as cortinas de renda e se deita ao lado de seu marido – que ainda está junto com o amante. Às vezes, Xiao gostaria que sua mulher o odiasse. Só assim não se sentiria tão culpado.