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Por Moisés Mendes
É bom prestar atenção no que acontece ao redor, porque tem muita coisa acontecendo. A direita boliviana, por exemplo, está avisando que, se for preciso, aplica outro golpe ou imita Bolsonaro e blefa que vai aplicar.
Está mais para blefe. O Movimento ao Socialismo voltou ao poder com Luis Arce e usa trancas para que não cometa os erros de 2019, quando perdeu o controle das Forças Armadas.
Mas há na Bolívia a preparação para uma paralisação nacional, liderada pelo líder da extrema direita, Luis Alberto Macho Camacho.
É uma revolta contra as prisões dos líderes do golpe de novembro de 2019. O tom é de rebelião e enfrentamento. Eles deram o golpe, foram derrubados em eleição um ano depois e agora ameaçam de novo.
O Brasil tem que ficar observando, para aprender algumas coisas. É estranha a situação da Bolívia desde que o Ministério Público pediu e a Justiça determinou a prisão de 13 envolvidos no levante que forçou a derrubada de Evo Morales (ou a renúncia, como eles dizem).
As ordens de prisão foram expedidas no dia 12 de março. Entre civis e militares, são 13 os que devem ser mandados para a cadeia em prisões preventivas.
Já prenderam Jeanine Añez, a “presidente interina” pós-golpe, e os seus ministros da Justiça, Álvaro Coímbra, e da Energia, Rodrigo Guzmán.
Mas há apenas dois presos dos sete militares que devem ser detidos, o almirante Flavio Arce e o general Jorge Mendieta Ferrufino. Eles e os outros eram do alto comando no tempo de Morales e foram absorvidos pelo golpe como mandaletes acovardados de policiais amotinados, fazendeiros e empresários, com o patrocínio descarado da Organizações dos Estados Americanos.
Ainda estão soltos o general da Força Aérea Jorge Gonzalo Terceros Lara, o general de Divisão Aérea Jorge Elmer Fernández Toranzo, o vice-almirante Palmiro Gonzalo Jarjury Rada, o general Williams Kaliman Romero, comandante das Forças Armadas de Morales, além do então chefe de Polícia, o também general Yuri Calderón. Todos traíram o governo.
Outro general, Sergio Orellana, chefe das Forças Armadas depois do golpe, procurado pela Justiça desde antes dos pedidos de prisão deste mês, acusado pelas mortes de civis em novembro de 2019, está foragido desde que viajou para a Colômbia.
Ninguém tenta descobrir onde eles estão, nem a imprensa. Onde foi parar Kaliman, que pediu a renúncia de Morales sob as ordens dos amotinados e da extrema direita da província de Santa Cruz de La Sierra, pediu a renúncia de Morales e fugiu? Pra onde?
Agora, vamos aos problemas. O principal deles é que o arregimentador de forças da reação às prisões é de novo Camacho, o fascista líder do Comitê Cívico de Santa Cruz, a província dominada pelo latifúndio e pelo reacionarismo.
Nas eleições de outubro, Camacho teve apenas 14% dos votos. É fraco em nível nacional, mas forte no seu reduto. E esse é agora o maior problema: ele foi eleito este mês governador da província.
O Creemos de Camacho deu de goleada no candidato do Movimento ao Socialismo, Mario Cronenbold, com 56% dos votos. Cronenbold teve apenas 38%.
Isso não quer dizer apenas que Camacho continua sendo líder do reduto dos fazendeiros. Significa também que dificilmente ele fará parte da lista dos que devem ser presos, mesmo tendo sido o principal nome civil do golpe de 2019.
A juventude do MAS bloqueou estradas, pedindo a prisão de Camacho. Mas não havia como determinar a prisão do sujeito que seria, dias depois de expedidas as ordens de prisão, proclamado governador de Santa Cruz. Como mandar prender um sujeito recém-eleito? Camacho já faz reuniões para preparar a paralisação geral.
Jeanine Añez assumiu o governo, como segunda vice-presidente do Senado, depois do golpe em nome de uma transição. Achava que iria se empoderar e seguir em frente, mas não conseguiu.
Era uma senadora medíocre, sem expressão para virar ditadora. Nem concorreu em outubro porque era quase um zero nas pesquisas. Jeanine é a boba da direita, vai ficar presa preventivamente por quatro meses.
O líder golpista é Camacho. O ex-representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Bolívia, o canadense Denis Racicot, acha que a direita estará em preparativos permanentes para um novo golpe, mesmo que isso seja improvável hoje.
Eles precisam manter o país sob tensão e ameaçam marchar em direção a La paz. Se marcharem, depois de manifestações de rua da terça-feira, com muita gente, vão encontrar a resistência das forças do MAS, e aí tudo pode acontecer.
É disso que a extrema direita vive, com o respaldo da Luis Almagro, o secretário cara de pau da Organização dos Estados Americanos.
Almagro atiçou o golpe de 2019 (depois de a OEA suspeitar da vitória de Morales) e emitiu agora um comunicado em que lamenta o que define como “abuso de mecanismos judiciais”.
A OEA acha que os golpistas, que estimularam confrontos e mortes, estão sendo perseguidos. Tente achar um comunicado da OEA sobre os abusos de Sergio Moro no Brasil. Uma notinha que seja.
A Bolívia é o alvo preferido do golpismo da OEA. Almagro está dando a senha para que Camacho tente avançar de novo.
E nós com isso? Nós estamos aqui na nossa vidinha, discutindo se a doutora Ludhmila Hajjar tentou mesmo ser aliada incondicional de Bolsonaro e só não foi porque a família a refugou. No mais, está tudo tranquilo. A intranquilidade é um problema dos bolivianos.