Os Joelhos de Tina Turner. Por Moisés Mendes

Atualizado em 25 de maio de 2023 às 7:00
Tina Turner, na juventude. (Foto: Reprodução)

Esta foto é do Juan Esteves e ilustra o texto de Wagner Carelli publicado na Folha em janeiro de 1988 sobre o show de Tina Turner no Pacaembu.

O texto não existiria sem a foto. Eu tinha lembrança de trechos do texto dedicados às pernas e aos joelhos de Tina.

É um relato único, datado, mas importante para que se compreenda a relevância do corpo e da sensualidade no show de Tina Turner.

Carelli observava que aquelas eram as pernas, sem idade, de uma mulher de 48 anos, as mais belas pernas do rock.

Saí atrás e achei o texto no acervo da Folha em pdf. Esses são os trechos:

“E há os joelhos, claro, a construir o paradoxo magnífico que se imaginou impossível. São discretos – elevações só perceptíveis no jogo de cena produzido por eterno arqueamento – e, ao mesmo tempo, ostensivos: sustenta-se neles, antes dos calcanhares, a mais energética que bonita matéria da qual se fez Tina Turner.

Aí o observador de fato ligado às vibrações emanadas do palco soube distinguir, entre ruidosa e luminosa parafernália da produção de emoções, seu centro irradiador.

O eventual bloqueio daqueles joelhos reduz em pelo menos 35% a qualidade da contínua transmissão de calor proporcionada num show de Tina Turner, e só a consciência de sabê-los em seu lugar, apesar de momentaneamente ocultos, garante os outros 35%.

(…) Tina demonstrou explícito reconhecimento das virtudes de seus joelhos na terceira parte do show, quando em princípio surpreendeu desagradavelmente numa súbita aparição de jeans e casaco de regimento de hussardos.

Aquelas pernas encobertas adiantaram uma penosa sensação de fim de espetáculo até notar-se, numa apreciação detida, que não só suas formas como sua qualidade particular de evocar sentimentos transpiravam através das calças.

Cantora Tina Turner. (Foto: Reprodução)

E os joelhos permaneciam à mostra em outra versão do mágico paradoxo: eram apenas discerníveis entre rasgos nos jeans – e, no entanto, escandalosos, apoteóticos.

Os corretos para a conveniência e o decoro de um gran finale. “Obrigado, Brasil”, Tina gritou. Então, simpaticamente, dedicou e cantou ‘Paradise is here’ em homenagem ao país. Mas seu dedo indicador apontava para os próprios joelhos”.

CONSIDERADA
O título da Folha de S. Paulo sobre a morte de Tina Turner é de terceira série:

“Morre Tina Turner, cantora considerada a maior diva do rock, aos 83 anos”

Cantora considerada? Precisa dizer que é cantora, precisa dizer que é considerada?

Alguém poderia achar que Tina Turner pode ter feito outra coisa na vida?

Falta memória, história e um mínimo de cultura a quem faz um título como esse. Quem faz um titulo assim não imagina o que deve ter sido a descrição da cena dos joelhos de Tina Turner.

Originalmente publicado em Blog do Moisés Mendes

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