Os limites da picaretagem. Por Fernando Brito

Atualizado em 4 de julho de 2021 às 15:49
Os limites da picaretagem. Por Fernando Brito. Foto: Reprodução/Globo

Publicado originalmente no site Tijolaço

POR FERNANDO BRITO

Os e-mails mostrados na noite de ontem pelo Jornal Nacional abrem uma nova tubulação nos esgotos do Ministério da Saúde e do governo Bolsonaro, com uma história que, de tão tosca, acaba por não ter outra explicação senão a gula desmesurada que tomou conta de todos os envolvidos no enredo.

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O que faria o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Laurício Cruz aceitar e dar andamento a uma “proposta comercial para fornecimento de 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca” feita por uma entidade religiosa – a tal Secretaria Nacional de Assunto Humanitários, de propriedade do reverendo bolsonarista Amilton Gomes de Paula – que à época ainda era integrante do PSL, do qual foi desfiliado por edital assinado pelo presidente do partido, Luciano Bivar, em abril passado, por não ter atualizado sua filiação?

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Era fevereiro, as doses da Astrazêneca estavam escassas em todo o mundo – a empresa estava até sendo ameaçada de processo pela União Europeia – e aparece um sujeito de um loteamento de Águas Claras, na periferia de Brasília com uma oferta quatro vezes maior do que a obtida pelo Brasil, oficialmente e via Fiocruz, e a cúpula do Ministério da Saúde acredita nisso, inocentemente?

E começa uma sucessão de visitas, reuniões e acordos – até com data provável de assinatura de contrato – 12 de março – para fechar o negócio, com direito até a encontros com o coronel Élcio Franco, chefe de todas as compras de vacinas? E a dose, que custava US$ 3,50, vai aparecer com um valor de US$ 17,50 nas comunicações trocadas entre eles?

Tudo com direito a fotos posadas: Laurício, o reverendo, o Cabo Dominguetti e uma reunião com Élcio Franco sob os auspícios de outro coronel, Hélcio Almeida, que preside uma organização que tem em sua cúpula o polêmico empresário envolvido no caso das fake news, Otávio Fakoury. O coronel Hélcio diz que o Brasil está em um cenário de “guerra híbrida” e sugere que as Forças Amadas – “nossos profissionais de guerra” – passem a fazer planos para “comunicação e propaganda, cultura, diplomacia, economia, cibernética, biotecnologia, segurança pública e o crime organizado e outras” – e que seja um “poder moderador” no Brasil, com direito a levar para o Superior Tribunal Militar qualquer julgamento que creiam ligado àquela guerra híbrida.

Está se revelando um coquetel de loucura, ambição, gula por dinheiro, irresponsabilidade e liames entre esta gente e o tumor extremista que, quando se vê ameaçado pela escolha dos brasileiros em eleições, vai buscar nos submundos da República as obscuridades de que precisa para nos manter as trevas.