Publicado na DW.
Cada nação envolvida da Segunda Guerra Mundial tem sua maneira própria de recordar os acontecimentos ao fim do grande conflito. Assim, para outros países o 8 de maio de 1945, dia da capitulação da Alemanha nazista, não é tema necessariamente central de exploração cinematográfica.
Já em 1946, Roberto Rossellini rodou o filme em episódios Paisà, em que encenava a libertação da Itália das tropas alemãs, com grande impacto. Dois anos depois, documentava suas impressões da Berlim bombardeada pelos Aliados. Em Alemanha, ano zero, o menino Edmund, de 12 anos, vagueia pela metrópole devastada para garantir sua sobrevivência e de sua família.
No entanto, o diretor italiano constitui uma exceção: a maioria dos cineastas do pós-guerra preferiu lançar o olhar sobre os destinos de seus próprios compatriotas. Entre eles, o celebrado Andrzej Wajda, que traçaria em seus próximos filmes um panorama da Polônia nos últimos meses da guerra.
Em Kanal (1957), ele aborda a rebelião do Gueto de Varsóvia; em Paisagem após a batalha (1970), enfoca os prisioneiros de um campo de concentração recém libertados pelas Forças Aliadas.
Na obra-prima de 1958 Cinzas e diamantes, a trama começa, de fato, em 8 de maio de 1945. Porém essa data memorável não passa de um ponto de partida: o protagonista Maciek, que até há pouco combatia os soldados nazistas, mantém a resistência na pátria polonesa, agora contra os ocupadores comunistas.
Uma visão crítica assim era, naturalmente, impensável na Rússia. Numerosas produções soviéticas que se ocupam do fim da Segunda Guerra se encaixam na categoria da propaganda pró-Moscou – geralmente com grande pompa e em coprodução com outras potências cinematográficas.
Em 1969 foi lançado o monumental A grande batalha, dirigido por Yuriy Ozerov e Julius Kun, épico em cinco partes, com quase oito horas de duração e participação de Polônia, Alemanha Oriental (RDA) e Itália. A última parte aborda a guerra urbana em Berlim, o suicídio de Adolf Hitler, terminando com o hasteamento da bandeira soviética no alto do Reichstag, o antigo prédio do Parlamento alemão.
Durante a Guerra Fria, também em Hollywood se produziram numerosas películas sobre o fim da Segunda Guerra. Longe de uma representação objetiva e documental, mesmo décadas mais tarde os eventos foram, antes, veículo para mensagens ideológicas, com elencos estelares e, também do outro lado da Cortina de Ferro, orçamentos milionários.
A escolha dos títulos já revela a intenção dos realizadores: os acontecimentos de 1945 servem de pano de fundo dramatúrgico, o acúmulo de tensão visa provocar no espectador um máximo de efeito emocional – tudo narrado segundo a receita típica do gênero.
A presença de astros como John Wayne, Jack Palance, George Segal ou Richard Burton atrai milhões às salas de exibição, não só nos Estados Unidos como na Europa. O que estava em primeiro plano, via de regra, era o espetáculo: a diversão triunfa sobre qualquer análise historicamente correta.
Após o boom do filme de guerra como gênero hollywoodiano nos anos 50 e 60, o interesse de produtores e público arrefeceu nas décadas seguintes. O processamento do trauma da Guerra do Vietnã pareceu um tema muito mais urgente para muitos cineastas americanos.
Em 1998, foi ninguém menos do que Steven Spielberg a trazer os embates armados da Segunda Guerra de volta às telas mundiais, com toda força, em O resgate do soldado Ryan.
No centro do drama estava o desembarque dos Aliados no litoral francês. Poucas vezes a sétima arte abordara com realismo tão cruel o choque entre os americanos e as tropas de Hitler. Recorrendo-se a todos os meios do cinema moderno, o espectador é virtualmente sugado para dentro dos acontecimentos na praia da Normandia, vivencia de perto a morte de milhares de soldados.
O espetacular grand finale tem como palco uma sala de exibição onde Hitler e seu ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, assistem a um filme. O ditador é fuzilado, o cinema é consumido pelas chamas. Desse modo, Hollywood se exonerava definitivamente de qualquer compromisso com a narrativa histórica autêntica.
Na perdedora Alemanha, após a divisão em 1949, desenvolveram-se duas tendências divergentes. A ocidental-capitalista RFA arriscou um processamento aguado dos fatos – quando não resvalou para o escapismo descarado do Heimatfilm, com sua visão idealizada de família, amor e amizade na aldeia natal.
Em contrapartida, na outra metade do país, a comunista RDA, produziu-se uma notável série de obras cinematográficas sobre o tema nos primeiros anos do pós-guerra – antes de o setor ser totalmente absorvido pela máquina da propaganda do regime.
Em 1963, Nackt unter Wölfen (Nu entre lobos, em tradução livre) foi o primeiro filme alemão a abordar abertamente o tema dos campos de concentração. Para tal, Frank Beyer penetrou em Buchenwald nos últimos dias antes da libertação.
Obras como Die Abenteuer des Werner Holt (As aventuras de Werner Holt), de Joachim Kunert ou Eu tinha 19 anos, de Konrad Wolff (de 1965 e 1968, respectivamente) encaixam de forma convincente os eventos do final da guerra numa moldura narrativa. Trata-se de obras antibélicas, encenadas com maestria. Ambos denotam, além disso, perfeição artesanal e profundidade de reflexão – características raramente encontráveis na produção cinematográfica contemporânea da vizinha RFA.
Uma exceção é A ponte (1959), em que o realizador Bernhard Wicki expõe o absurdo da guerra com eloquência: nos últimos dias de combates, um punhado de adolescentes é recrutado pela Wehrmacht e usado como “carne de canhão”.
Tal visão autocrítica da política bélica nacional-socialista nunca chegou a fazer escola na Alemanha Ocidental. E, no entanto, tudo começara de forma tão promissora, depois do 8 de maio de 1945.
Logo no ano seguinte, Wolfgang Staudte rodou Os assassinos estão entre nós, ainda um projeto pan-alemão. Nascido nos destroços de Berlim – assim como Alemanha, ano zero – o filme refletia uma imagem fiel da realidade do país na época.
Nos anos seguintes, o olhar dos cineastas alemães ocidentais e orientais estaria frequentemente condicionado por certas agendas políticas ou sociais. Só a partir de 1989, com a queda do Muro de Berlim, o 8 de Maio voltaria ao foco da indústria fílmica da Alemanha, sobretudo na TV.